
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
O Sr. M. Tavares em "O Senhor Juarroz”: DUAS CADEIRAS

O Sr. M. Tavares em "O Senhor Juarroz”: A MÚSICA

domingo, 30 de agosto de 2009
O Sr. M. Tavares em "O Senhor Juarroz”


Começo por dizer que do Gonçalo M. Tavares li apenas “Jerusalém” e que gostei tanto, tanto que ao terminar a obra recomecei-a de novo. Também leio alguns apontamentos seus no “Jornal de Letras, Artes e Ideias”, confessando a minha dificuldade em interpretar alguns dos seus escritos.
Ontem consegui ter uns momentos vagos, depois de dias de grande agitação e elevada tempestuosidade, e não resistindo a tanto livro que a Patrícia me emprestou e nomeadamente a este autor (sobre o qual subscrevo todos os elogios que a minha amiga lhe dedicou), vagueio pelos interstícios dos pensamentos do Sr Juarroz. Antes de me debruçar no livro, quero confessar que a imaginação de Gonçalo M. Tavares é de facto surpreendente. Criar um bairro com tantas personagens interessantes é de facto genial. Faço apenas um reparo, chamem-me femininista se quiserem, mas fiquei visivelmente incomodada ao notar que nesse bairro apenas coabitam duas mulheres: a Sra Bausch e a Sra Woolf! Porquê, Sr M. Tavares? Para além disso, qual o critério usado na escolha destes moradores, Sr M. Tavares? Estaremos perante uma bibioteca como a do Sr Juarroz? Será que o caos compreende afinal uma ordem?

quarta-feira, 26 de agosto de 2009
Buenos Aires, Argentina
O NÚMERO DE DEUS

quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Silêncios - Fotografias
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Leite Derramado - Chico Buarque

terça-feira, 18 de agosto de 2009
O Tigre Branco - Aravind Adiga


Nestas férias de verão resolvi que visitaria a Índia e o Brasil (para além de umas voltas pela nossa capital à socapa) através da literatura. Foi o que eu fiz de melhor. Não resultou num bronzeado que possa exibir na rua, no entanto tudo o que vi me deu um prazer tão singular, que não me arrependo da minha brancura.
Primeiramente, visitei a Índia como estrangeira, pelas mãos de António Tabbucchi e logo a seguir, empurrada pelas imagens e palavras tempestuosas de Aravind Adiga, reconheci-me em casa. Quanto ao Brasil e à cidade de Lisboa, ficam para mais tarde.
O Tigre Branco ou Balram é o nosso narrador e personagem protagonista que revela, sem dó de ninguém, a violenta miséria em que foi criado na aldeia de Laxmangarh. Desde logo se assume como suspeito do homicídio do seu patrão (o Sr. Ashok, rico comerciante de carvão), num total de seis noites e duas manhãs, as quais perfazem os oito capítulos epistolares dirigidos ao Primeiro-Ministro Chinês (Sua Excelência Wen Jiabao) em que a narrativa surge originalmente moldada. Toda a obra explica as razões do golpe que o leva a matar o patrão com as suas próprias mãos e o auxílio de uma garrafa de whisky despedaçada. O melhor é relembrar alguns excertos do livro que são como brasas:
Já está.
Tenho os olhos novamente abertos.
11h 52m da noite – e já vão sendo horas de começar.
Uma advertência regulamentar – como as que aparecem nos maços de cigarro – antes de começarmos.
Certo dia, quando eu ia a conduzir os meus antigos patrões Sr. Ashok e Madame Pinky no seu automóvel Honda City, o Sr. Ashok pousou-me uma mão no ombro e disse-me: «Encosta à berma.» Enquanto eu obedecia a esta ordem, ele inclinou-se tanto para mim que lhe senti o aroma do aftershave – naquele dia, trazia um aroma delicioso, frutado – e acrescentou, com a mesma cortesia de sempre: « Balram, se não te importas, gostaria de te fazer umas perguntas.»
- Com certeza, senhor – respondi-lhe eu.
- Balram – interrogou-me o Sr. Ashok -, quantos planetas há no céu?
Respondi-lhe o melhor que pude.
- Balram, quem foi o primeiro-ministro da Índia?
E depois: - Balram, qual é a diferença entre um hindu e um muçulmano?
E em seguida: - Qual é o nome do nosso continente?
Sr. Ashok recostou-se no assento e perguntou a Madame Pinky:
- Ouviste as respostas que ele deu?
- Estaria a brincar contigo? – indagou ela, e senti o coração a assolapar-se-me, como acontecia sempre que ela dizia alguma coisa.
- Não. Acho que está convencido de que são mesmo as respostas correctas.
Ao ouvir isto, ela soltou uma leve gargalhada; a expressão dele, porém, que eu vi reflectida no espelho retrovisor, era séria.
- O problema é que ele deverá ter andado no máximo…o quê, uns dois ou três anos na escola? Sabe ler e escrever, mas não compreende o que lê. É mal-amanhado. Este país está cheio de gente como ele, disso podes ter a certeza. E nós confiamos a nossa gloriosa democracia parlamentar – dito isto, apontou para mim – a criaturas como esta. A isto se deve a grande tragédia deste país.
Soltou um suspiro.
- Pronto, Balram, podes arrancar.
Nessa noite, deixei-me ficar estendido na cama, a coberto do mosquiteiro, a reflectir nas suas palavras. Ele tinha razão senhor… Eu não gostei da maneira como o Sr. Ashok se referiu a mim, mas não era por isso que deixava de ter razão.
Sabe, no meu primeiro dia de escola, o professor mandou os rapazes porem-se todos em fila e irem até à sua secretária para que ele pudesse anotar os seus nomes no livro de matrícula. Quando eu lhe disse como me chamava, ele ficou a olhar para mim embasbacado:
- Munna? Mas isso não é nome de gente.
Ele tinha razão: significa simplesmente «rapaz».
- É só isso que me chamam, senhor professor – assegurei-lhe eu.
Era verdade. Nunca ninguém me tinha dado um nome.
- A tua mãe não te pôs um nome?
- Ela está muito doente, senhor professor. Passa os dias de cama, a cuspir sangue. Não tem tempo para me pôr um nome.
-E o teu pai?
- Ele é condutor de riquexó, senhor professor. Não tem tempo para me pôr um nome.
- Então e tu não tens uma avó? Tias? Tios?
- Eles também não têm tempo.
O professor deu meia-volta e cuspiu; um jacto de paan vermelha espalhada pelo chão da sala de aula. Humedeceu os lábios.
- Bom, então nesse caso, cabe-me a mim a tarefa, não é verdade? – Passou-me uma mão pelo cabelo e disse: - Vamos chamar-te… Ram. Espera… Não temos já um Ram nesta aula? Não quero dar azo a confusões. Serás Balram. Sabes quem era Balram, não sabes?
- Não, senhor professor, não sei.
- Era o amigo inseparável do deus Krishna. Sabes como é que eu me chamo?
- Não, senhor professor.
Ele riu-se. – Krishna.
O pequeno-almoço do Sargento Beauchamp

Trata das aventuras ou desventuras de Jacinto, eterno enamorado, durante o período das invasões francesas. Notei o enorme apreço que o autor nutre pelas gentes do Porto que fielmente resistiram aos franceses (daí o epíteto atribuído à cidade ainda hoja- A INVICTA). Ao ler esta novela recordei o estilo mordaz do Eça de Queirós, pois o autor põe a nu o mundanismo que grassava e o aparente riquismo daquela sociedade! Nem os reis defendiam o seu povo, atrasado, e na primeira oportunidade fugiram para um Brasil... Gostei da história mas a questão que me atormentava durante a leitura era: mas afinal quem é o Beauchamp? E o que tem de relevante o seu pequeno-almoço? Bem... é preciso chegar às últimas páginas e só aí o segredo é desvendado! Li o livro de um fôlego (aliás bem pequeno e com capítulos curtos) e valeu a pena! A ler...
Luzes pela noite dentro - Fotografia
Luzes pela noite dentro - 3
Luzes pela noite dentro - 4
Luzes pela noite dentro - 5
Luzes pela noite dentro - 6
Luzes pela noite dentro - 7
Luzes pela noite dentro - 8
Luzes pela noite dentro - 9
Luzes pela noite dentro - 10
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
Vasco Graça Moura - Coração

Que aos corações lanças redes
E és perpétuo movimento
Na guitarra do paredes ,
Pões esperança e amargura,
Vibras sombra e luz nas notas,
E em surdina tens gaivotas
De saudade e de aventura,
Coração tumultuário,
Ó faminto coração,
Solidário e solitário,
A prender nuvens ao chão,
Coração da melodia,
Coração em que murmuram
Sol e lua e se misturam
Em funda melancolia,
De tantas fomes e sedes
Coração terno e violento,
És perpétuo movimento
Na guitarra do paredes .
Joaquim Pessoa - Quero-te para além das coisas justas

Gonçalo M. Tavares - O Senhor Juarroz


Dia 2
“A nova geração de romancistas portugueses, refiro-me aos que estão agora entre os 30 e os 40 anos de idade, tem em Gonçalo M. Tavares um dos seus expoentes mais qualificados e originais. Autor de uma obra surpreendentemente extensa, fruto, em grande parte, de um longo e minucioso trabalho fora das vistas do mundo, o autor do Sr. Valéry, um pequeno livro que esteve durante muitos meses na minha mesa-de-cabeceira, irrompeu na cena literária portuguesa armado de uma imaginação totalmente incomum e rompendo todos os laços com os dados do imaginário corrente, além de ser dono de uma linguagem muito própria, em que a ousadia vai de braço dado com a vernaculidade, de tal maneira que não será exagero dizer, sem qualquer desprimor para os excelentes romancistas jovens de cujo talento desfrutamos actualmente, que na produção novelesca nacional há um antes e um depois de Gonçalo M. Tavares. Creio que é o melhor elogio que posso fazer-lhe. Vaticinei-lhe o Prémio Nobel para daqui a trinta anos, ou mesmo antes, e penso que vou acertar. Só lamento não poder dar-lhe um abraço de felicitações quando isso suceder.”
pp.209, 210
Também eu tenho pena de não poder dar um abraço de felicitações ao grande Saramago por estas palavras inteligentes que tanto gostei de ler.

Gonçalo M. Tavares construiu um projecto de um bairro com os nomes de intelectuais de diversos domínios da cultura universal, não se cingindo apenas à literatura, ( Sr. Rimbaud; Sr. Balzac; Sr. Henri M.; Sr. Corbusier; Sr. Calvino; Sr. Valéry; Sr. Lorca; Sr. Breton; Sr, Wittgenstein; …). Apresenta Pessoa como vizinho de Juarroz e de Pirandello (que fantástico!). É assim que se apropria de nomes de valor incontornável, reconstruindo-os em histórias cheias de humor e ironia, num imaginário que não descura algumas das mais características linhas temáticas das suas obras, reinventando-lhes personalidades. Assim, obtemos de todos esses senhores com "esses" maiúsculos, dados novos, instaurados no universo “deslogicizado” próprio deste autor português incomparável, que os ligam para todo o sempre em ruas vizinhas e os rememoram de maneira única. Apetece-me dizer: Parabéns Sr. M. Tavares pelo seu bairro tão bem arquitectado de palavras. O Sr. M. Tavares supera, afinal, qualquer outro senhor do bairro. Esta é a verdade.
Seleccionei três dos vinte e oito pequenos textos geniais do caderno O Senhor Juarroz que passo a inscrever nesta página (por ordem de preferência):
O relógio
O senhor Juarroz pensou num relógio que em vez de mostrar o tempo mostrasse o espaço. Um relógio onde o ponteiro maior indicasse no mapa o local preciso onde a pessoa se encontrava num determinado instante.
- Então, e o ponteiro pequeno? Que indica? – perguntou a esposa.
- A localização de Deus – respondeu o senhor Juarroz.

A Biblioteca
O senhor Juarroz gostava de organizar a sua biblioteca de maneira secreta. Ninguém gosta de revelar segredos íntimos.
O senhor Juarroz primeiro organizara a biblioteca por ordem alfabética do título de cada livro. Rapidamente, porém, foi descoberto.
O senhor Juarroz organizou depois a sua biblioteca por ordem alfabética, mas tendo em conta a primeira palavra de cada livro.
Foi mais fácil, mas ao fim de algum tempo alguém disse: já sei!
A seguir o senhor Juarroz reordenou a sua biblioteca, mas agora por ordem alfabética da milésima palavra de cada livro.
Há no mundo pessoas muito perseverantes, e uma delas, depois de muito investigar, disse: Já sei!
No dia seguinte, assumindo este jogo como decisivo, o senhor Juarroz decidiu arrumar a biblioteca a partir de uma progressão matemática complexa que envolvia a ordem alfabética de uma determinada palavra e o teorema de Godel.
Assim, para estranheza de muitos, a biblioteca do senhor Juarroz começou a ser visitada, não por entusiastas da leitura, mas por matemáticos. Alguns passaram tardes a abrir os livros e a ler certas palavras, utilizando o computador para longos cálculos, tentando assim encontrar a todo o custo a equação matemática capaz de desvendar a organização da biblioteca do senhor Juarroz. Era, no fundo, um trabalho de descoberta da lógica de uma série, semelhante a
2/ 9/ 30/ 93
Pois bem, passaram dois, três, quatro meses, mas chegou o dia. Um reputado matemático, completamente vermelho e eufórico, segurando, na mão direita, um bloco gigante coberto de números, disse: Já sei!, e apresentou depois a fórmula da série que baseava a organização da biblioteca.
O senhor Juarroz ficou desanimado e desistiu desistir do jogo. Basta!
No dia seguinte pediu à sua esposa para organizar a biblioteca como bem entendesse. Por ele estava farto.
Assim foi. Nunca mais ninguém descobriu a lógica da organização da biblioteca do senhor Juarroz.

Os nomes e as coisas
Para mostrar que não se submetia à ditadura das palavras o senhor Juarroz todos os dias dava um nome diferente aos objectos.
Metade do seu dia de trabalho passava-o assim a atribuir nome às coisas.
Por vezes, ficava tão cansado com essa tarefa inaugural, que passava a segunda parte do dia de trabalho a descansar.
Quando adormecia os novos nomes das coisas misturavam-se, nos sonhos, com os antigos nomes, e por vezes o senhor Juarroz acordava tão baralhado que deixava cair a primeira coisa que tentava segurar, e essa coisa, da qual por momentos não sabia o nome, partia-se.
De todos os textos, ficaram, com tristeza minha, invisíveis onze dos textos que considero tão geniais como estes, por isso nomeio-os e tiro-lhes os parênteses como se fossem o meu chapéu preferido - O aborrecimento; A gaveta e a utilidade, Viagem longa; Sombras e esconderijos; A música; Duas cadeiras; O árbitro; O cinema; A morte de Deus; A Concentração.
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Roberto Juarroz - "A veces me parece"

que estamos en el centro

Às vezes parece-me
Que estamos no centro
Da festa
No entanto
No centro da festa
Não há nada
No centro da festa
Está o vazio
Porém no centro do vazio
Há outra festa.
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
O Amante Japonês - Armando Silva Carvalho

Tive a sorte de me deparar inesperadamente com O Amante Japonês de Armando Silva Carvalho na livraria Bertrand e de poder desfrutar da sua poesia singular e intensamente humana.
Com esta obra poética o autor venceu, unanimemente, o Grande Prémio da Poesia 2008 da Associação Portuguesa de Escritores/CTT. Entre Lisboa e Peniche, de Outubro de 2007 a Fevereiro de 2008, o poeta criou 67 poemas cujo motivo se encontra sobretudo na problemática existencial e no amor desmascarado de qualquer pudor ou preconceito social. Apresenta alguns poemas que partem de personalidades várias por quem demonstra absoluta admiração tais como Camilo Pessanha, Herberto Hélder, Novalis, William Blake, Ricardo Wagner, Luiz Pacheco, Carlos de Oliveira, Manuel Freitas e também Apóstolo João.
Inscrevo nesta página dois poemas que muito me impressionaram pela sua dimensão humana tocante inscrita numa verdade poética retumbante que lhes confere uma universalidade inquestionável. Os dois poemas entendem-se lado a lado, justificando o título escrupuloso desta magnífica colectânea onde, noutros tantos poemas, pude verificar muita influência de Pessoa-Campos.
1º poema:
Seishu, um nome tão ligeiro na voz
Que o vento cedo levou para as colinas
Onde se esconde o choro
E o desespero tem uma morada
Filosófica.
Como posso falar-te,
Sem cheirar a matéria ardida,
Da sua destreza em aplainar
A eriçada pele dos meus sentidos?
Nesses anos dourados, o Japão era um livro
De minúcias, jardins de pedra e areia,
E toda a natureza me servia
A delicada chuva de uma estranha ciência
Em pétalas pelo meu corpo.
Tu ficavas de fora, como animal antigo
Preso ao saibro estéril do mundo inferior,
Ligado ao útil, rasteiro, arsenal dos artefactos.
Sem luz interior.
Repito dentro de ti o seu nome
Seishu.
Para que aprendas comigo a língua da lembrança,
A que traz consigo a mágoa de nos sabermos
Deixados no porão dos sonhos e sem mãos que nos busquem
No correr da água irrepetível.
2º poema:
A primeira vez que te raptaram
Andava eu a pensar trocar-te por algo de mais novo
E atraente.
Contigo cantei outros. Contigo desejei outros.
Contigo obediente à minha ambição
Descontrolada
Acenava a mão prostituída aos que nos viam passar
Num silêncio pesado de amantes
Desavindos.
Parecíamos um casal de velhos ilegais e sem família,
De leões amargos e cativos
Lambendo e exibindo ao sol as suas feridas.
Não sabia sequer como pedir-te
Que fosses pelo mundo em pobre serventia
A levar-me aos enterros, à casa dos amigos atrasados
Que não te ouvem sequer quando tens sede.
Vergonha de mim próprio, ao usar-te em casamentos
Como parente e pelintra.
A primeira vez que te raptaram
Eu quase endoideci à chuva da manhã
Ao olhar o teu lugar vazio na rua.
Senti-me tão pequeno e nu o sexo murcho
Olhado assim parado pela vizinhança.
Eras a minha Europa e eu não via o toiro em fuga.
Ou nada disso: Morrias
Sem que eu te visse o rosto, as quatro rodas tristes,
O volante ardido pelo sol baço da vida.
Tu eras o país que me fugia.
Como primeira morte de paixão funesta
Eu não tinha respiração para regressar ao mundo
Não sabia andar, criança de mim mesmo
Às cegas, cobria-me de insultos.
terça-feira, 11 de agosto de 2009
Her morning Elegance - Oren Lavie
sábado, 8 de agosto de 2009
Nocturno Indiano - Antonio Tabucchi

Acabei de ler recentemente Nocturno Indiano, traduzido por Gaëtan Martins de Oliveira, com revisão do próprio António Tabucchi e confesso que gostei de muitos pormenores deste romance. A epígrafe que abre a obra, da autoria de Maurice Blanchot, merece ser relida:
" Les gens qui dormente mal apparaissent toujours plus ou moins coupables: que font-ils? Ils rendent la nuit présente."
(As pessoas que dormem mal parecem sempre mais ou menos culpadas. O que fazem elas? Tornam a noite presente.)
Talvez seja esta a grande culpa de Roux, a personagem principal deste romance, um homem que vai à Índia sob o pretexto de saber de um antigo amigo desaparecido, Xavier Janata Pinto, vivendo a noite indiana de forma intensa, num trajecto espiritual de procura de si mesmo. O texto está escrito em primeira pessoa, numa espécie de registo diarístico das pequenas histórias que vão surgindo, protagonizadas por este viajante em constante deslocação e pelas personagens caricatas com que se vai cruzando.
Numa nota introdutória António Tabucchi deixa claro que “este livro, mais do que uma insónia, é também uma viagem”, também realizada pelo próprio autor, pelo que lhe pareceu bem fornecer um índice dos lugares por que passou, cedendo ao leitor um registo topográfico que vai construindo o romance, desde a morada dos hotéis, aos apeadeiros rodoviários ou até mesmo às praias. Uma página que poderá ser bastante útil para quem pretenda reconhecer na Índia esta leitura de Tabbuchi.
Entre a miséria explícita logo nas primeiras páginas e o luxo exclusivo de poucos, Roux tenta encontrar-se neste mistério inequívoco, em muito possibilitado pela magia dos vários personagens com quem vai dialogando - Vanila Sar, uma prostituta do Hotel Khajuraho, um médico com o nome de um deus com rosto de elefante, um devoto jainista às portas da morte, Margareth, o Director de Theosophical Society, um monstro Arant com seu irmão, o próprio fantasma do vice-rei da Índia, um ex-carteiro de Filadélfia,Tommy e finalmente Christine, uma fotógrafa simpática. De Bombaim a Goa este viajante vai atrás, afinal, de si mesmo, encontrando-se nas palavras dele e nas dos outros, desconhecidos. Algumas também acabam por fazer o leitor encontrar-se a si própria nesta leitura.
«O corpo humano poderia perfeitamente não passar de uma aparência. Esconde a nossa realidade, pesa sobre a nossa luz ou a nossa sombra.»
«Referia-me aos corpos (...) talvez sejam uma espécie de malas, transportando-nos a nós próprios.»
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
A Borboleta de Nabokov
Em 1988, mais de dez anos após a morte de Nabokov, um artigo publicado pela revista Natural History lançou o grito de alarme: a borboleta de Nabokov poderia estar ameaçada, a prazo mais ou menos previsível. A construção de um complexo comercial em parte da área onde tradicionalmente a Karner se desenvolvia viria perturbar o equilíbrio ecológico de forma tão dramática, que as fontes de subsistência e de desenvolvimento da raríssima espécie acabariam por desaparecer – e, com elas, a própria Karner, que, segundo os especialistas, sobreviveu às profundas transformações ambientais verificadas há 12 mil anos, mas não seria capaz de escapar ao cataclismo dos bulldozers e do cimento."
Encontro a casa num tronco - Fiama Hasse Pais Brandão
50
Encontro a casa num tronco,
A habitação que me surpreende.
É um corpo estranho na árvore.
A floresta está tão próxima
Que é lisa como um reposteiro.
Morro sem esta exalação
da garganta das folhas.
As línguas que elas agitam
Que lançam um bafo verde exaltante.
As gavinhas que sustentam
o soalho rodeiam-me o tornozelo.
Assim estou no ar mas equilibro-me.
Não sendo igual a uma ave
Envolvo-me na folhagem. Para dormir
acordo. O cicio das paredes,
que era como o das folhas.
O musgo, símbolo do chão,
Está quente como a pele. As comparações
Obcecam-me. Não aprendo deste
modo as essências. Mas está tudo
aqui. Tudo, mesmo
na ignorância. Tudo pegado
a tudo. Ao odor, às vespas.
A inteligência que se orienta
neste labirinto. As coisas que
estão e se deterioram. Bicas
de água límpida, chumbo.
Este poema pertence a um dos livros de poesia mais preciosos que guardo em casa. "Obra Breve" (título aparentemente irónico), com um prefácio de Eduardo Lourenço (outra preciosidade do livro). Com a publicação de Obra Breve (1991), Fiama reorganiza toda a sua obra poética, incluindo alguns inéditos, imprimindo-lhe a ideia de poesia como processo vivo. As suas páginas impedem-nos de sair de casa sem o remorso de não ler estes poemas ininterruptamente. Cito palavras do prefácio de Eduardo Lourenço em que vejo toda a verdade: "Ninguém entra na hermética paisagem de Fiama como em casa. (...) A poesia de Fiama é tão clara e obscura como o mundo onde se descobre como olhar misteriosamente intruído pelo percurso que o solicita. Um mundo ao mesmo tempo anterior ao olhar e esperando por ele para ser decifrado. Esse mundo não é um cosmos pleonasticamente harmonioso, desde sempre votado à contemplação e a um óbvio sentido. É só um mundo escrito em hieróglifos, finito e inesgotável na sua minúcia. O poema não vem elucidar o mistério da realidade sem cessar bifurcante onde a atenção de Fiama desembarca como no mais desconhecido dos mundos: vem reconhecê-la. Um mundo anterior ao verbo que o descreve e convoca, que nunca foi nomeado fora da voz que no-lo diz. Melhor seria dizer, do poema que o cria pela sua própria respiração." Nunca sei (perdoe-me Fiama!) quando leio estas e outras palavras de Eduardo Lourenço, se me apetece retomar o texto poético de que fala ou lê-lo e relê-lo, a ele, crítico da literatura, até à exaustão. Mas é o poema 50 que interessa e um videoclipe de uma intérprete fantástica ( que também pode irritar alguém a qualquer momento, acredito nisso!), chamada Joanna Newson, que nos chama a atenção para o facto de que a realidade também interessa. Um vídeo lindíssimo, com uma harpa que remonta às origens da poesia.
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Nocturno de David Mourão-Ferreira

Eram, na rua, passos de mulher.
Às fotos de Edgar Martins (de quem tanto gosto) escrevo este apontamento:

terça-feira, 4 de agosto de 2009
Luz Indecisa

Sou admiradora das crónicas que José Mário Silva escreve para a revista Ler. Gosto da sua expressão criativa que nunca se anula em detrimento do assunto ou da personalidade maior sobre que se debruça. Como um avião a jacto que sobrevoa uma cidade à noite, entre o texto literário e o noticioso, ele vai dando um espectáculo de luzes e velocidade a que vale sempre a pena assistir. Foi por isso que comprei o último livro de poesia dele com alguma pressa.
Primeiro soneto nocturno
Dizias: nunca da esperança verei o rosto,
nem do medo o corpo vago e fugidio.
Dizias: a noite é a escuridão em todas
as janelas, gatos e lixo, o candeeiro
da rua (com a lâmpada partida). Sobre
o tampo da mesa, na cozinha, alinhavas
os comprimidos pelas cores: vermelho,
azul, malva, cores da madrugada tão
distante como as árvores da infância,
cheias de corvos. Dizias: esta doença
é a própria noite, um cão a devorar-me
as entranhas dentro do escuro. Lá fora
o som das ambulâncias transportando,
aflitas, outros mortos mais solícitos.
Segundo soneto nocturno
Dizias; a poesia não nos protege
nem salva, é só um consolo inútil.
As folhas rasgadas ardiam melhor,
o fogo contorcia as estrofes, brilho
negro o destas cinzas. Dizias: foi
ontem que o anjo me veio arrancar
os olhos, amanhã virá à procura do
coração. Na tua voz, restos de vidro
moído, metal gasto, ferrugem. Lá
em cima as estrelas continuavam
a cintilar, indiferentes. Nenhuma
catástrofe que nos aconteça ficará
registada nos sismógrafos. Dizias:
afinal não há anjo, são só palavras.
Apetece-me chamar Hélène Grimaud, que vestida de negro, interpreta como ninguém (esta é a verdade!), sem pudor artístico, numa entrega demiúrgica, Bach.
Hélène Grimaud - Bach
Flor de papel dourado
Mad Rush - Philip Glass
Flor de papel dourado
O romper da madrugada
Banha-me o corpo
Num cantar de aves
Em círculo fechado
Que vai vagarosamente
Baixando o seu voo
E pousa como um tesouro
Sobre o meu ventre escavado
Uma flor de papel dourado
Lembrando a tua chegada.
Este é um poema inspirado no belo nome do café que frequentava Magritte. Este pássaro de céu e nuvens também está lá. "Mad Rush" de Philip Glass, envolve-o na perfeição.

Le Séducteur, Magritte, 1953
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
La Fleur en Papier Doré - Rue Alexiens 55, Brussels, Bélgica

Magritte faz equivaler as palavras às imagens e parte do pressuposto de que "Palavras ou imagens é a mesma coisa." Acrescenta que se a poesia é uma arte particular baseada na linguagem (tal como disse Paul Valéry), isso deve ser válido tanto para a poesia escrita como para a poesia em imagens. Magritte aposta em muitos trabalhos artísticos na inversão plausível do sentido habitual das coisas, provocadas por paradoxos, tal como na poesia escrita. Nele encontramos duas posturas pois para si " a inteligência da exactidão não impede o prazer da inexactidão". Gosto particularmente da maneira como ele institui a verdade na arte e como torna a realidade numa fantasia absoluta. Um pedaço de nuvem a entrar pela porta entraberta de sítio nenhum. (Se pudesse pendurava este quadro no quarto da minha amiga Anabela para ela ter sempre à cabeira a nuvem que a deslumbra e uma porta aberta para a sua metafísica. Cedo-o em ponto grande para impressionar bastante.)
Magritte fascina-me tanto com a sua obra como a verdadeira poesia. E é a sua procura constante de pontes entre a realidade e o mistério que o torna naturalmente poético. Nas páginas do Livro Magritte de Jacques Meuris, editado pela Tashen (que ofereci ao Paulo para me ofertar a mim mesma, confesso) tive a oportunidade de conhecer mais um pouco da sua personalidade artística e apercebi-me, entusiasmada, de que ele se correspondeu com André Breton (o autor do Manifesto Surrealista) durante muito tempo. No entanto nos finais dos anos 50, Magritte decepciona-se fortemente com Breton pois acha que ele deixou de procurar a "pedra filosofal" desta estética, revelando-se assim um guardião do surrealismo mais dogmático do que ele. O facto de em tempo de desilusão, nascida do contexto de guerra, Magritte fazer prevalecer na sua obra o sol sobre a noite, confere-lhe uma força revolucionária tão grande que o distingue das obras de muitos outros pintores surrealistas.Fiquei a gostar ainda mais dele por sentir que as suas convicções artísticas ultrapassam o domínio da arte, invadindo a sua vida de forma que não se distingue a convicção artística da convicção humana. Gosto quando ambas se confundem porque pressinto que só dessa forma ela é pura.