terça-feira, 29 de junho de 2010
Margarita Sikorskaia vs Mª Teresa Horta
segunda-feira, 28 de junho de 2010
L´amour (1/3)
Coloco a primeira de três partes do Philosophie (este episódio dedicado ao AMOR), programa que, como sabes, não perco. Embora este episódio não seja dos melhores, ao visioná-lo consegues ficar com uma ideia da dinâmica do programa. Um programa que nos faz pensar e mais, faz-nos acreditar que qualquer homem, mais ou menos alfabetizado, consegue fazer filosofia com os objectos que o rodeiam... Afinal pensar está ao alcance de todos e não é algo inalcansável... está em nós! Isso nos repete incansavelmente o Raphael, também ele filósofo, e que sabiamente nos guia através de pinturas e fotografias aparentemente insignificantes. Beijos.
domingo, 27 de junho de 2010
Em plena época de Verão...
Oração
sexta-feira, 25 de junho de 2010
DIÁRIO IMPERFEITO

segunda-feira, 21 de junho de 2010

AS PEQUENAS MEMÓRIAS - JOSÉ SARAMAGO

Procurei um excerto fílmico do par "Bucha e Estica", representado pelos actores Stan Laurel e Oliver Hardy, que também acho tão engraçados. (Guardo um porta-livros muito antigo cá em casa que são dois bonecos de porcelana antiga com as caras muito sorridentes, as cabeças cobertas com os chapéus muito negros e os corpos (sentados) destes amigos a quem acho muita piada e que, afinal, são uma referência não só para mim e para o Tiago, a quem acabei por oferecê-lo, mas também para Saramago.)

sábado, 19 de junho de 2010
SARAMAGO PONTUA

Habituei-me a deixar passar estas incompreensíveis palavras de alguns, mantendo silêncio, porque, no fundo, sei que são pessoas que nunca o leram de facto, provavelmente por preconceito político ou religioso (ou então por não terem capacidade para a leitura de uma obra maior da literatura universal, isto também pode ser um facto) - senão não poderiam dizê-las.
Agora que Saramago nos falta e jamais poderá esclarecer esse equívoco, mostro o excerto que guardo para ler aos alunos (com a alegria da sua necessária tradução para o português) que um dia encontrei na revista Books nº8, como resposta a uma entrevista feita ao nosso Nobel:
http://www.booksmag.fr/magazine/a/jose-saramago-ce-sont-les-lecteurs-qui-ont-fait-de-moi-un-ecrivain.html
sexta-feira, 18 de junho de 2010
SARAMAGO - QUE FAREMOS COM ESTE AUTOR?

quinta-feira, 17 de junho de 2010
PÁGINA 186 DO DIÁRIO IMPERFEITO
Penso muitas vezes no que o meu irmão disse um dia, por graça, junto da minha mãe, depois do abraço de despedida a uma amiga que tinha levado a nossa casa para almoçar, sem aviso prévio. Mas hoje pensei mesmo a sério nessas palavras. Nesse momento em que mal ela fechou a porta da rua, desafiou o humor da minha mãe:
«- Se as mulheres tivessem as mamas nas costas, não era pior...»
Lembro-me de detestar o meu irmão. Por aquelas palavras, pelo riso final de parvo, pela corrida covarde que teve que fazer até ao quarto que trancou para não levar um estalo irritado da minha mãe.
Muitas vezes me lembro dessa ideia que teve, que mais parecia um daqueles desenhos a carvão que fazia na perfeição, e hoje, pela manhã, depois de ter batido num carro estacionado atrás do meu enquanto fazia marcha atrás, cheguei mesmo a ver em algumas costas de mulheres que passavam na rua, nesse momento turvo em que me encontrava, as mamas que ele idealizou naquela tarde da minha pré-adolescência, tão descaradamente. Aliás, não sei bem se o que entrevi nas costas dessas mulheres ocasionais foram as tais mamas arquitectadas pelo meu irmão, se foram dois olhos grandes, atentos e pestanudos.
Sim, confesso que foi claro o meu desejo. Ter dois olhos nas costas. De preferência sem miopia e sem astigmatismo ou qualquer outro tipo de anomalia ocular. Seria muito mais atraente e menos ridícula em situações de embate automobilístico em marcha atrás. Podia até vir de marcha atrás desde o parque de estacionamento da minha escola até à garagem da minha casa, não temendo qualquer incidente, distracção, nada de nada nesses 40 km. E quando passasse por carros conduzidos por homens, poderia buzinar até mais não para que não lhes escapasse que sendo mulher, sabia andar de marcha atrás como mais nenhuma mulher, sem arriscar dar cabo dos seus incríveis carros (aqueles em que bati quase todos a necessitar de urgentes remodelações!) e ter que lhes explicar que para além de eles estarem a estorvar com o seu veículo nos sítios que escolhem para os estacionar, estão ainda a tentar passar-me a perna a ver se podem arranjar mais um estrago que o meu seguro cubra porque as mulheres ao volante não sabem o que fazem, muito menos quando têm que fazer marcha atrás, só com os dois olhos que têm no rosto.
segunda-feira, 14 de junho de 2010
AVENIDA NÉVSKI - NIKOLAI GÓGOL

"O espaço de privação, de sofrimento e de alienação que é a Petersburgo gogoliana cristaliza-se aqui na sua artéria principal — a Avenida Névski. Famosa é a descrição inicial da grande avenida — como num filme expressionista alemão, passam-nos diante dos olhos as figuras fragmentadas dos passeantes: pés, olhos, chapéus, braços, bigodes, casacas, galões de oficial… em loucos movimentos autónomos. […]
O conto assenta em três personagens principais: a cidade, um jovem pintor e um jovem oficial: ao jovem pintor roubam-lhe o sonho e tem um fim trágico; o jovem oficial, estouvado, realista e resignado não consegue a compensação mínima por que se esforça — o amor físico de uma alemã — e consola-se comendo uns bolos; a cidade (a Avenida Névski) assiste a tudo e é culpada de tudo…”
Filipe Guerra
Foi este o livro com que Gonçalo M. Tavares se fez acompanhar em S. Petersburgo, tendo lido algumas passagens deste livro de Nikolai Gógol sobre a imponente Avenida Névski em plena Avenida Névski . Como também a conheço do desenho que a literatura faz dela deixo um excerto de que também gosto particularmente:
«Milhares de modelos de chapéus, de vestidos, de lenços - leves, multicolores -, aos quais chega a manter-se por dois dias a afeição das suas possuidoras, deslumbram qualquer um na Avenida Névski. Parece que todo um mar de borboletas levantou subitamente voo dos ramos e ondula como nuvem brilhante sobre os escaravelhos pretos do sexo masculino. Encontrarmos aqui cinturas com que nunca sonhámos: delgadinhas, tão finas que nunca vão além da grossura de um gargalo de garrafa e das quais, ao cruzarmo-nos com elas, nos afastaremos respeitosamente para que as não molestemos, por acaso e imprudência, com o cotovelo mal-educado; apodera-se do nosso coraçao a timidez e o medo de que um gesto nosso, mesmo um simples descuido na respiração, possa quebrar aquela encantadora obra da natureza e da arte. E que mangas de senhoras encontraremos na Avenida Névski! Ah, que maravilhas! Lembram um pouco dois aeróstatos, pelo que a senhora levantaria voo de repente se não fosse segurada por um homem; porque é tão fácil e agradável levantar ao ar uma senhora como levar aos lábios uma taça de champanhe. Em lado algum se trocam vénias, no momento do encontro, de maneira tão nobre e espontânea. Encontraremos aqui um sorriso único, um sorriso que é o cúmulo da arte, um sorriso que às vezes nos derrete de prazer; (...)Achamos aqui pessoas que falam de um concerto ou do tempo com uma nobreza extraordinária e uma dignidade muito própria. Encontraremos aqui um milhar de caracteres e de fenómenos inconcebíveis. Nosso Senhor!, que caracteres estranhos é possível encontrar na Avenida Névski!»
pp.18, 19, 20
domingo, 13 de junho de 2010
L' ESQUIVE - Abdelllatif Kechiche
A adolescência e a sua agressividade retratada nos subúrbios de Paris intensamente como numa peça de teatro. Marivaux serve de mote para o encontro e o relacionamento entre alunos de uma mesma turma e surge como pretexto da encenação maior da alma humana em estado de ebulição e aperfeiçoamento.
sábado, 12 de junho de 2010
sexta-feira, 11 de junho de 2010
CONTRIBUTOS DO DOUTOR PARA A MEDICINA - GONÇALO M. TAVARES

Sabe-se que Robert Walser era de uma pontualidade excepcional. Considerava a pontualidade uma obra-prima.
Trata-se pois de colocar a delicadeza no ponto certo. Não fazer esperar o outro - arte que deve ser tão valorizada como a escultura ou a pintura. Fizeste o mais belo quadro, sim, mas chegaste atrasado ao encontro com o teu sapateiro. Eis uma falha artística irremediável.
A este propósito, o Doutor Vila-Matas contratou o Doutor Pasavento para averiguar “o que se sentia ao chegar com a máxima pontualidade, mas exactamente com um ano de atraso, a um encontro na Cartuxa de Sevilha”. Uma pontualidade em diferido – semelhante ao som que chega uns segundos depois da imagem correspondente.
Mas o que importa é isto: a pontualidade no desaparecimento. Marcar a hora exacta não de um encontro, não de um desencontro (tu vais por uma rua e eu por outra); mas de um rigoroso desaparecimento. Eis o difícil.
Só quem já desapareceu percebe que é impossível definir com exactidão a hora, o minuto e os segundos em que algo ou alguém desaparece. Porque desaparecer não é apenas deixar de ser visto. No limite, é deixar de se ver a si próprio. (Só tem uma vida boa quem tem um bom esconderijo, dizia o sensato Kierkegaard.)
Desaparecer da frente dos outros requer esforço, mas é possível (o bom esconderijo resolve) – desaparecer diante do espelho, eis o grande obstáculo.
Não se quer sentar na minha cadeira?
Ser grande é saber ceder o seu lugar a outro, escreveu Handke, citado por Vila-Matas. Desaparecer, cedendo o lugar a outro - eis a grandeza deste Doutor Vila-Matas que cede o seu lugar ao colega Pasavento que, por seu turno, o cederá a outro.
Trata-se de uma série de desaparecimentos sucessivos, idêntico a uma série matemática em que uma lógica implacável conduzisse um número grande a números cada vez mais pequenos. Até se atingir o infinitamente pequeno.
Mas como chegar ao zero através de infinitas reduções?
O problema é, pois, este: o infinitamente pequeno dividido ao meio continua a não ser zero. Desaparecer, de facto, não é fácil.
No fundo, o Doutor Pasavento ilustra, em literatura, o dilema sem saída de Zenão.
A mão enorme, o papel minúsculo
Kafka queria continuar existir, mas sem ser incomodado. O Dr. Pasavento também.
A escrita desaparece primeiro através de um método de alturas, tamanhos. A letra vai ficando mais pequena. Se não fores capaz de parar de escrever, pelo menos que os teus textos ocupem menos espaço no mundo. Eis a micro-escrita. Quem escreve muitas letras numa minúscula folha, escreve muito ou pouco? Eis uma questão, apesar de tudo, significativa.
Trata-se de produzir uma escrita Liliputiana.
Podemos até imaginar a mão de um gigante, a mão enorme de um gigante que não pára de se mexer sobre a mesa, segurando no mais velho utensílio da escrita. A mão enorme que escreve letras minúsculas. Eis o génio da redução, dirás.
Michael Issacson, professor de engenharia, escreveu, com um feixe electrónico, num cristal de cloreto de sódio, palavras com dois nanómetros de largura.
Juan de Gurtabay escreveu o Pai-Nosso em castelhano (57 palavras) em 53mm². Em 1930.
No fundo, eis como o escritor desaparece (uma metodologia possível): em 1930 escreve o Pai-Nosso em 53 mm² em 1931 em 52 mm², em 1932 em 51mm², e assim sucessivamente. Aperfeiçoar, simultaneamente, a escrita e o desaparecimento.
Ao mesmo tempo: oração cada vez mais exacta e aperfeiçoamento literário.
O centro do livro
Aos 85 anos, o Doutor Vila-Matas desce do seu cavalo ainda em movimento, senta-se e escreve um livro em 2mm².
Os leitores protestam. Onde está o livro? Aqui, aponta o Doutor Vila-Matas. E coloca o dedo, com precisão, no centro dos dois mm². (Nesse momento, existe a sensação de que se falhou por 2 mm² a perfeição da escrita, a escrita que desaparece no momento em que aparece.)
Voltemos, então, a esse livro minúsculo, imaginado. A primeira letra localiza-se exactamente no topo esquerdo dos 2mm² e o último ponto final do livro localiza-se exactamente na extremidade direita da base inferior dos 2mm².
No meio destes dois limites: o livro.
A velha exigência de leitores diferentes para livros diferentes dá aqui outro passo. Não apenas novos leitores, novos olhos – eis o que se exige.
É que aquilo que parece um risco mínimo na folha (2mm² de traço involuntário) com olhos atentos e aperfeiçoados verifica-se ser o novo livro de quem quer desaparecer.
Contributos para a medicina (considerações finais)
Há no Doutor Vila-Matas essa atracção pela Patagónia em que existe “uma pessoa por quilómetro quadrado e reina o silêncio” e por esses países em que não se publicam livros.
Mas felizmente o Doutor Vila-Matas é um médico generoso e um inventor reputado – no meio da descoberta de novas doenças (a Angústia do Pasavento (APS), o Mal de Montano (MM), entre outras), consegue manter essa infinita delicadeza Walseriana de procurar nunca incomodar os outros mesmo que os outros sejam portadores de uma guilhotina e o seu pescoço seja o alvo. Provocar danos na lâmina, nada envergonharia mais o pescoço do homem discreto e delicado que quer desaparecer.
Mas o mais importante é o inverso: ainda não foi inventado (e jamais o será) a lâmina capaz de encontrar o sítio onde esta literatura colocou o pescoço.
in http://www.enriquevilamatas.com/escritores/escrtavaresgm1.html
DELÍRIO - LAURA RESTREPO

In Delírio, Laura restrepo, pp.16, 17
quinta-feira, 10 de junho de 2010
A VIDA DOS OUTROS - FLORIAN HENCKEL VON DONNERSMARCK

«Um entre cada cada três cidadãos era «informador não oficial» da Stasi, a agência de segurança do Estado. É um grande filme, com um actor , Ulrich Mühe, simplesmente extraordinário. De uma forma quase imperceptível, a sua personagem, um frio espião da Stasi, dá uma volta radical no dia em que começa a investigar a vida de um dramaturgo e a sua companheira, uma famosa actriz de teatro. O cinzento predomina em todas as sequências. «O cinzento nunca teve muitos partidários, embora alguns deles fossem eminências. Era a cor preferida de Bertold Brecht», disse Florian Henckel von Donnersmarck.
Há um momento em que o dramaturgo espiado procura um livro azul de Brecht que tinha desaparecido do seu escritório e descobrimos que foi roubado pelo espião da Stasi, que o está a ler, ensimesmado no sótão. O espião está a ler no primeiro movimento poético do seu despertar moral e dir-se-ia que , de súbito, descobriu na sua espionagem um meio para aguçar a consciência e estar mais vivo e melhor. (...)
Os métodos da Stasi são-nos mostrados minuciosamente. Vemos as suas escutas, os seus interrogatórios, os seus arquivos, todos esses expedientes que (ao contrário, por certo dos arquivos franquistas) foram abertos há uns anos a todos os atingidos, não sem que isso colocasse certos problemas.
«Houve um grande debate em que muita gente se manifestou contra, porque julgavam que daria lugar a vinganças pessoais, mas enganaram-se. Não houve nenhum problema. As pessoas apenas queriam saber a verdade», comentou Von Donnersmarck.
No seu filme todas as personagens são complexas e contraditórias e escapam ao cliché do bom e do mau a que nos habituaram tantos romances e filmes, e agora os nossos políticos. (...)»
terça-feira, 8 de junho de 2010
À VOLTA DA EPÍGRAFE

Gore Vidal
in Delírio, Laura Restrepo
Mas é precisamente em Delírio, de Laura Restrepo (traduzida para a nossa língua recentemente, e editada no passado mês de Maio pela Editorial Presença), obra de onde transcrevi esta interessante epígrafe, que toda a história gira, ironicamente, à volta de Agustina, uma personagem feminina em estado de loucura.
A obra começa precisamente com Aguilar (marido de Agustina) a confessar que soube que algo de terrível tinha acontecido com ela no momento em que, devido a um telefonema de um desconhecido que recebeu, vai buscar a sua mulher a um hotel e se apercebe, no preciso momento em que um homem veio abrir a porta do quarto, da imagem dela sentada ao fundo, a olhar pela janela de modo que achou muito estranho. A partir deste momento, Aguilar não reconhece mais a sua mulher e vai empreender o papel de um detective de forma a descobrir o que provocou esse estado de loucura, esse delírio em que a mesma vive.
Lembro-me também, rumando no sentido contrário daquele que nos é sugerido por Henry James, do Diário de um Louco do conceituado autor russo Nikolai Gógol, onde assistimos ao quotidiano infernal do funcionário de uma repartição que se apaixona loucamente pela filha do seu director e fica sujeito, por esse motivo, a “ouvir e ver coisas que ainda ninguém viu nem ouviu”. Ao longo do conto assistimos ao desmoronamento da razoabilidade humana, insuflado pelo sofrimento provocado por essa paixão que o leva inclusive a perseguir, de forma patológica, o animal de estimação da amada, com o anseio de perceber o que este pensa.
De Rosa Montero, destaco A Louca da Casa, no qual mais uma vez impera a extravagância, a loucura, o sonho pela descrição dos comportamentos mais íntimos dos escritores, assumindo-se um discurso próprio ora do romance autobiográfico ora da biografia (e, resumindo, um discurso sobre cada um de nós, leitores) …
Gonçalo M. Tavares com os seus "livros pretos", nomeadamente com a série O Reino investe no retrato da loucura através de variadas personagens.
Em Jerusalém, Mylia, por exemplo, fica aterrorizada desde o início da diegese com a possibilidade de alguém “olhar para si e murmurar: eis uma louca!”. Também Hinnerk é um homem cujo medo aumentava de dia para dia, sentindo-se cada vez mais ameaçado por qualquer acontecimento que aconteceria, na sua cabeça, para breve, atemorizando as crianças com o seu próprio temor ou terror.
Em Klaus Klump, vários são os loucos que vão sendo retratados primorosamente -desde Catharina, viúva e mãe de Joanna (namorada de Klaus), até à perspectivação do real e dos outros pelo próprio Klaus, o absurdo é uma marca viva na escrita desta história passada em tempo de massacre e de guerra (tão viva que chega a dialogar com o universo da loucura e do horror de Kafka).
Também em Aprender a Rezar na Era da Técnica, Gonçalo M. Tavares aborda a esquizofrenia com uma naturalidade chocante, baptizando uma das suas personagens com o nome de Buchner, fazendo com que esta personagem, através do seu nome, reavive a referência à primeira descrição pormenorizada de um estado de esquizofrenia na literatura alemã com a obra Lenz do dramaturgo Georg Buchner.
De facto, o conselho de Henry James é, pelos vistos, levado pouco a sério por tantos autores que por investirem na loucura como personagem ou como tema ou, até mesmo, como substância criativa da escrita demonstram a evidência de novos caminhos, desenhando mais do que aquilo que nos cerca e aquilo que somos, a face completamente imprevista da realidade e da existência humana, o avesso daquilo com que habitualmente contamos, definindo-nos como não somos ou não queremos ser, em última instância.
Venham os loucos à flor da literatura! No nosso século a narrativa literária é tão estilhaçada e confusa como a mente de um louco, e não deixa, desse modo, de contar histórias com verdade.
segunda-feira, 7 de junho de 2010

Sobre o Verão de Jonh Coetzee, apetecia-me dizer num texto imenso muitas palavras de elogio, transcrever muitos excertos fascinantes e até voltar a lê-lo e comentá-lo página por página, ou pelo menos, capítulo por capítulo ... a página que me enviaste, linda amiga, foi uma alegria e em simultâneo uma tomada de consciência de que há outros que fizeram da mesma leitura a mesma alegria . Há outros que constatam que há livros e autores que forçosamente têm que ser lidos e pensados por valerem tanto a pena... Fiquei imensamente contente por verificar que com este livro não restam dúvidas da qualidade especialmente superior dos textos deste autor que se mostra num texto aparentemente autobiográfico tão reticente contra si próprio, tão capaz de se pensar e de se mostrar ao mundo cheio de "defeitos", de inventar um modo de narrar tão novo (através de entrevistas - na sua forma tradicional ou transformadas em texto narrativo na 3ª pessoa - realizadas por um biógrafo a algumas personagens que o conheceram e o marcaram por variadas razões que o leitor nem sempre entende; através dos seus simulados cadernos de notas a abrir e a fechar a obra ). É caso para anotar que hoje é tão difícil criar qualquer coisa nova que o que Coetzee faz é um prodígio na Literatura. Inventar-se morto bem como um centro de interesse desse outro biógrafo desconhecido, projectar-se para além da morte em palavras de quem o conheceu e não o amou verdadeiramente não é para todos! E afinal, onde está a verdade dos pormenores da vida que lemos na Litertura? Isso, realmente, passa-nos ao lado perante a genial arquitectura do romance, perante a criatividade e o interesse de tudo o que nos diz e sente através das suas geniais personagens.
Deixo o fecho da página intitulada "La Verdad de Coetzee" (que me enviaste este fim-de-semana) sobre este escritor e as suas obras autobiográficas mais recentes que tanto gostei de ler:
PRÉMIO CAMÕES - FERREIRA GULLAR
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Cantiga para não morrer
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
domingo, 6 de junho de 2010
MOBY AWARDS 2010

(Os restantes moby awards podem ver-se em http://2010mobyawards.wordpress.com/)
sexta-feira, 4 de junho de 2010

Deste livro, escolhi três excertos das cartas que nos oferecem o mais íntimo de Kafka e que (tal como com Pessoa) nos levam a confundir a sua vida com a literatura. Milena foi identificada como a personagem Frieda da obra mais complexa que escreveu, O Castelo. Também o marido de Milena Jesenská (Ernst Polak) parece projectar-se na personagem «senhor Klamm», assim como a relação de inteira dependência que se criou entre os dois casais. Max Brod afirma mesmo que «a trama do romance (…) constitui a projecção simbólica e romanesca do drama vivido por Kafka na vida real.» A escrita demorada d' O Castelo, que ocorreu entre os anos de 1921 e 1922, parece reflectir alguns dos dramas pessoais deste autor, vividos no ano anterior à sua criação, 1920.
Interessante é a forma como Kafka e Milena se conheceram e aproximaram: através da literatura. O primeiro contacto deste par deu-se no ano de 1919 quando ela, impressionada com a qualidade excelente da escrita deste homem, lhe envia uma carta a pedir autorização para traduzir alguns dos seus textos mais famosos. Esta carta é o marco da abertura de uma longa correspondência entre este par. O tom amigável e sério com que a relação começa acaba por se transformar gradualmente numa relação epistolar apaixonadíssima, relação esta que terá a duração de 2 anos. Cada um deles passará por muito sofrimento pois se Milena é casada e vive em Viena com um marido que pouco lhe liga, e um pai que a renega precisamente por esta ter casado com ele, Kafka é noivo da judia Julie Woryzek, contrariando igualmente o desejo de seu pai. Assim, depreende-se que a paixão de Milena e Kafka acontece num contexto emocional tempestuoso e muito complicado. Kafka vai depositar em Milena, que considera como a sua alma gémea, os seus mais profundos segredos, mostrando-se tão humano e interessante como qualquer uma das personagens que prodigiosamente inventou.
“(…)As mais belas das tuas cartas (e isso é dizer muito, pois são, no seu todo, quase linha por linha, o que de mais belo aconteceu na minha vida) são aquelas em que justificas o meu «medo» e simultaneamente procuras explicar que não tenho de o ter. Pois também eu, por muito que às vezes pareça um defensor subornado do meu medo, no fundo o justifico, provavelmente, mais, sou feito dele e ele talvez seja o que eu tenho de melhor. E já que ele é o melhor de mim, talvez seja também a única coisa que te agrada. Porque, de outro modo, que se poderia encontrar em mim que fosse tão digno de ser amado. Isto é, no entanto, digno de ser amado.”
“ É tão triste a tua carta hoje e sobretudo encerra de tal modo a dor em si que me sinto completamente excluído. Quando por vezes tenho de sair do quarto, subo e desço as escadas a correr para apenas estar de novo lá e encontrar o telegrama em cima da mesa: «Também eu estarei no sábado em Gmund . (…)”
in Três Cartas a Milena Jesenská, Franz Kafka
terça-feira, 1 de junho de 2010
A criança vive muito intensamente o presente. Para ela não existe o passado nem o futuro. O hoje é o seu tempo, a sua meta. Cada segundo para si vale horas infinitas. Ela é sábia sem dar conta disso e a filosofia que dela se desprende é de um entendimento superior. Sabe amar a sério e desacreditar por razões concretas.Sabe ouvir histórias, encantada, como nenhum adulto. Tenho saudades da criança que fui.