«-Escrever é tentar saber o quê? - grita-me alguém do Paseo Marítimo.
Estou em frente ao mar, na varanda de um quarto de hotel em Maiorca. A canção que ouço sem cessar desde há um bocado, «Batiscafo Katiuskas», é dos Antònia Font, um grupo musical maiorquino que ouço através do computador portátil enquanto escrevo isto. Apoiei-me no peitoril da varanda, saúdo os amigos literatos. É uma manhã limpa deste inverno insólito, tão agradável. A música dos Antònia Font, estranha e de grande força poética, contribui para a sensação geral de beleza.»
in Diário Volúvel, Enrique Vila-Matas
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É irremediável tentar convencer-me de que o livro também é meu, um pouco, sim, é como se fosse... Sofro estupidamente só porque ele pertence à biblioteca, é público, pronto, acabou-se, é de todos nós! Não vale a pena martirizar-me mais com isto, nunca o comprei e ponto final. Não posso ter todos os livros de que gosto. Não tem jeito insistir em apurar a razão que não me levou ainda a comprá-lo. Se até lá não conseguir sossegar, tenho que o comprar impetuosamente... Mas primeiro, vamos ver como reajo ao devolvê-lo à biblioteca, como se o atirasse a uma das mil e uma ondas do oceano, sem dó.
Há livros que se apoderam de nós, abusam de uma fraqueza franca, de um sofrimento que se cola à pele, levantando-lhe toda a penugem em arrepio, no momento que antecede a separação física, às vezes vinte e quatro horas antes, outras vezes apenas a longa noite mal dormida... é frequente pressentir que se abre na mesinha-de-cabeceira, ocupando-lhe todo o tampo, luxurioso, a recitar as passagens que mais fascinam, propositadamente, como chantagiando, como reforçando a ideiae que é apenas nosso, fazendo-nos sentir mal se não o tomamos nas mãos, arqueando-o, dobrando-o sobre si ... se não pensamos em furtá-lo, se deixamos de o ler...É o que se passa com o quase meu Diário Volúvel...
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