O POEMA
 O poema é um exercício de  dissidência, uma profissão de incredulidade na omnipotência do visíveis, do  estável, do apreendido. O poema é uma forma de apostasia. Não há poema  verdadeiro que não torne o sujeito um foragido. O poema obriga a pernoitar na  solidão dos bosques, em campos nevados, por orlas intactas. Que outra verdade  existe no mundo para lá daquela que não pertence a este mundo? O poema não busca  o inexprimível: não há piedoso que, na agitação da sua piedade, não o procure. O  poema devolve o inexprimível. O poema não alcança aquela pureza que fascina o  mundo. O poema abraça precisamente aquela impureza que o mundo  repudia.
 A ESTRADA BRANCA
 Atravessei contigo a  minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer
acima do muro alto
 deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer
acima do muro alto
folhas tremiam
ao invisível peso mais forte
 ao invisível peso mais forte
Podia morrer por uma só dessas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate
José Tolentino Mendonça
1 comentário:
Bonito
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