domingo, 31 de outubro de 2010


Maggie Taylor

Neste domingo é apoucar-me ouvir apenas a chuva a bater
mas é tarde demais para ter o mar na minha mão fechado
eu que sempre o tive ao dispor de uma janela que entreabro
sempre tão perto de mim que sinto os peixes a passar na rua
ouço: abanam as escamas, a cauda e sobem escorregadios
os muros do meu quarto ao encontro desta luz de cabeceira
dos meus olhos chamantes dos ouvidos à espera da maré
sei que recua e aos solavancos vem de novo e diz-me adeus
recolhe toda a maresia enquanto adormeço e a minha mãe
como uma espuma chega e fecha a porta a persiana o livro
ajeita a cama as dobras dos lençois encharcadas da chuva
e do mar da maresia da poesia do outono frio de vozes da rua
diz baixinho boa noite e leva aquele peixe que escondi debaixo
do travesseiro para guardar do mar uma qualquer coisa aguada.
por isso insisto: é apoucar-me hoje, domingo, ouvir a chuva bater.






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MUJERES DE ÁGUA

Uma homenagem às mulheres iranianos proibidas de cantar em público e a todas as mulheres. Achei a ideia de Javier Limón, um produtor espanhol, fantástica. O mar mediterrâneo e as vozes das mulheres que vêem nele a sua casa foi o ponto de partida deste título. A fadista Marisa é a única voz convidada portuguesa...Mas todas as restantes só podem valer a pena ouvir.

O videoclipe oficial de Mujeres de Água é este:


E agora um Beso Libanés, cheio do espírito da paixão




Deixo o endereço que mostra todos os temas e mujeres cantantes:

CARTA DE UM JOVEM - HERMANN HESSE

Mais uma carta inesquecível da literatura, sobretudo para ti Caridee. E porque este é um autor que vale a pena ler:

Excelentíssima Senhora:

Convidou-me um dia a escrever-lhe. Pensou que seria muito agradável para um jovem com tendências literárias poder enviar cartas a uma bela e prezada dama. Tem razão, é muito agradável.

E além disso, também notou que escrevo muito melhor do que falo. Por conseguinte eis-me a escrever-lhe. É a minha única oportunidade de lhe dar um pequenino prazer, e é isso o que eu muito gostaria de fazer. Porque eu a amo, minha senhora. Permita-me ser mais pormenorizado! É necessário , porque de outro modo não me poderá compreender, e talvez se justifique porque esta será a única carta que lhe escrevo. E basta de introduções!

(…)

Um dia apaixonei-me e, sem esperar, tinha de novo todoas as ligações com a vida, mais fortes e mais multifacetadas do que nunca antes.

Desde então tenho vivido horas e dias maiores e mais deliciosos, mas nunca essas semanas e meses, tão quentes e tão plenos de um sentimento permanentemente torrencial. Não lhe quero contar a história do meu primeiro amor, não tem importância, e as circunstâncias exteriores bem podiam ter sido diferentes. Mas a vida, que então vivi, gostaria de a descrever um pouco, se bem que saiba que não vou conseguir. A busca apressada teve um fim. Encontrei-me de repente no meio do mundo vivo e estava ligado por inúmeros filamentos à terra e às pessoas. Os meus sentidos pareciam estar mudados, mais aguçados e mais vivos. Especialmente os olhos. Via tudo diferente do que via anteriormente. Via cores mais claras e mais variadas, como um artista, e sentia prazer na simples contemplação.

O jardim do meu pai estava no seu esplendor estival. Tinha arbustos em flor e árvores com uma espessa folhagem de Verão contra o céu profundo, a hera subia pelo grande muro de suporte e em frente descansava a montanha com rochedos avermelhados e florestas de abetos azuis-escuros. E eu ficava a ver e sentia-me tocado porque tudo era tão lindo e vivo, colorido e brilhante. Muitas flores baloiçavam nas hastes de uma maneira tão delicada e tinham um aspecto tão comovedoramente fino e íntimo nos seus calicezinhos coloridos que eu as amava e as apreciava como as canções de um poeta. Também muitos sons, a que antes nunca tinha ligado, chamavam-me agora a atenção e diziam-me coisas e ocupavam-me: o som do vento nos pinheiros e na relva, o barulho dos grilos nos campos, o trovejar das tempestades ao longe, o murmurar do rio na represa e as muitas vozes dos pássaros. À tardinha via e ouvia os enxames das moscas na luz dourada do entardecer e escutava as rãs no lago. Mil pequenas coisas passaram a ter importância para mim e eu passei a gostar delas e tocavam-me como se fossem vivências. Por exemplo, quando de manhã regava alguns canteiros para passar o tempo e a terra e as raízes bebiam a água tão ávidas e agradecidas. Ou via uma pequena borboleta azul cambalear como ébria na luz do meio-dia. Ou observava o abrir de um botão de rosa. Ou deixava à tardinha pender a mão do barco para dentro da água e sentia nos dedos o puxar suave e tépido do rio.

Enquanto o sofrimento de um desconsolado primeiro amor me atormentava e e enquanto me moviam uma necessidade incompreendida, uma saudade diária e uma esperança e desilusão, sentia-me a cada instante feliz no meu mais profundo íntimo, apesar da melancolia e do medo do amor. Tudo o que estava à minha volta era-me agradável e tinha sempre qualquer coisa para me dizer, não havia nada morto nem vazio no mundo. Nunca mais perdi isto inteiramente, mas também nunca mais foi assim forte e permanente. E viver isto de novo, assenhorear-me disto e guardar tudo, é essa agora a ideia que tenho da felicidade.

Quer saber mais coisas? Desde essa altura até hoje nunca mais me voltei a apaixonar verdadeiramente. De tudo o que conheci nada me pareceu mais nobre e fogoso e arrebatador do que amar uma mulher. Nem sempre tive relações com senhoras ou com raparigas, também nem sempre amei conscientemente uma delas, mas os meus pensamentos tiveram sempre ligados ao amor e a minha veneração pelo belo foi sempre uma constante adoração de mulher.

Não lhe vou contar histórias de amor. Tive uma vez uma apaixonada, durante alguns meses, e colhi realmente um beijo e um olhar e uma noite de amor quase sem querer, assim de passagem, mas se amei de facto, foi sempre uma infelicidade. E se me recordo bem, o sofrimento de um amor sem esperança, o medo e a timidez e as noites em branco eram muito mais belos do que todos os pequenos casos de felicidade e de sucesso.

Sabe que estou muito apaixonado por si, minha senhora? Conheço-a já há quase um ano, se bem que só tenha estado em sua casa quatro vezes. Quando a vi pela primeira vez, tinha, sobre a blusa de um cinza claro, um broche com um lírio de Florença. Vi-a uma vez na estação a entrar para o rápido de Paris. Tinha um bilhete para Estrasburgo. Nessa altura ainda não me conhecia.

Fui depois com o meu amigo a sua casa, já eu estava apaixonado por si. Só reparou nisso na terceira vez que a visitei com a música de Schubert. Pelo menos foi o que me pareceu. A princípio troçou da minha seriedade, depois das minhas expressões líricas, e à despedida foi simpática e um pouco maternal. E a última vez, depois de me ter facultado a sua morada de Verão, permitiu-me que lhe escrevesse. E foi o que fiz hoje, após longa meditação.

Como é que devo acabar a carta? Digo-lhe que esta minha primeira carta será também a minha última. Aceite as minhas confissões que talvez tenham o seu quê de ridículo, como a única coisa que lhe posso oferecer e com que eu lhe posso mostrar que muito a prezo e a amo. Enquanto penso em si e me confesso a mim próprio que desempenhei muito mal perante si o papel do apaixonado, sinto no entanto um pouco do milagre de que lhe falei. Já é noite, os grilos cantam ainda diante da minha janela no relvado húmido e há muita coisa que está como naquele Verão fantástico. Talvez, penso, possa vir a ter tudo de novo e viver outra vez as mesmas coisas se me mantiver fiel ao sentimento que me envolveu ao escrever-lhe esta carta. Gostaria de renunciar ao que a maior parte dos jovens se segue ao ficar apaixonado e que eu próprio conheci mais do que bem – o jogo semiverdadeiro, semiartificial dos olhares e dos gestos, o tocar dos pés por baixo da mesa e o abuso de um beijo na mão.

Não consigo exprimir plenamente aquilo que quero dizer. Talvez me compreenda apesar disso. Se é como eu a imagino, poderá rir-se do fundo do coração com esta minha escrita confusa, sem me menosprezar por isso. Possivelmente irei também eu um dia rir-me sobre isto, mas hoje não posso e também não quero.

Com o mais profundo respeito,

                                                    B.

                                                 (1906)

Hermann Hesse, Contos de Amor

sábado, 30 de outubro de 2010

THE SUBURBS - THE ARCADE FIRE



Os subúrbios também me interessam musicalmente. Ouve o tema que dá o título ao novo CD dos The Arcade Fire. Vão estar no Pavilhão Atlântico em Novembro.

GONÇALO M. TAVARES RESPONDE AO JL

Relativamente ao JL que me trouxeste cá a casa, como um bolo com uma cereja  espetadinha no centro, tenho a dizer-te que sempre desconfiei que o chantili que traria no meio teria poderes curativos e...não me enganei. Já há muito tempo que não lia uma entrevista com respostas que provocassem tanto prazer e espanto. Serviu para conhecer melhor esse autor que tanto se esconde e para saber (isso foi quase mau!) que por mais que tente vertiginosos elogios ou arrebatações panegíricas  sobre Uma Viagem à Índia, o livro que comecei a ler e me custa o virar das páginas, não conseguirei nada de novo pois a crítica literária acerca deste texto é uma vénia descontida, uma declaração descarada da eternidade desta epopeia pós-moderna portuguesa. Retalho algumas respostas do autor para as releres, agora, que o JL já não é teu:

«Antes de fazer o que quer que seja curvo-me perante as centenas de coisas extraordinárias que já foram feitas. Ás vezes temos a ilusão de estar a começar. Mas temos obrigação de conservar a memória. E não como se trabalhássemos num museu. Gosto muito daquelas imagem dos ciganos que , em séculos passados, deixavam uma maçã num cruzamento para assinalar a estrada onde viravam. Assim a carroça saberia ler esse sinal. Quando escrevemos temos que ter a noção que não somos a primeira carroça, nem a última. Temos de estar atentos aos sinais que nos deixaram, e depois deixar as nossas próprias marcas.»

«Procuro sempre uma linguagem limpa, quase bíblica. O que me interessa é encontrar hoje uma frase nova que seja antiga.»

« ...ter n' Os Lusíadas uma espécie de mapa. Que me ia indicando: agora para a esquerda, agora para a direita, agora uma montanha, agora um tumulto. Não havia uma história que queria contar. O protagonista ia seguindo esse mapa, às vezes de uma forma completamente distinta.»

« Há um grau de liberdade que tem a ver com o imaginário e com a vontade de tudo ser possível numa frase. E essa estrutura obriga a uma contenção. O resultado de Uma Viagem à Índia tem a ver com essas duas forças, liberdade e constrangimento.»

« (...) Porque pensamos muito os mapas como cartografias exteriores. Vamos de Lisboa a Paris, de Paris a Londres. No meu mapa vamos do Tédio a Praga, de Praga para o Divino, do Divino para o lixo, do Lixo para Paris. Para mim, as viagens são um cruzamentoentre coisas exteriores e o que acontece na nossa cabeça.»

«Talvez o tédio seja a alternativa contemporânea. Se pensarmos em heróis do século XXI, uma das possibilidades é estarem entediados. Para um herói este século tornou-se desinteressante. E os obstáculos, adversários e tesouros pouco estimulantes.»

«(...) Veremos o perigo mas sempre com uma vitrine à frente. Estaremos a cinco metros da dor mas nunca a sentiremos, o que decorre da tecnologia. O mundo está transformado numa espécie de hospital global em que a preocupação principal é eliminar a dor e o perigo. É engraçado pensar que há quase um mapa com os locais onde se pode ser herói. Antigamente bastava ao herói avançar para encontrar os dragões e as damas em torres a pedir ajuda. Hoje só se deparará com segurança. O tédio é uma consequência natural.»

« O importante é encontrar a nossa mão esquerda. Variar quando percebemos que somos hábeis num registo. (...) Claro que há escritores, que eu respeito, que escrevem sempre o mesmo livro mas um pouco melhor. Eu tento sempre fazer percursos diferentes, embora estranhamente sinta que estão ligados entre si.»

« «(...) É como aquela imagem, n' As Cidades Invisíveis, em que as casas estão ligadas por fios de várias cores. Entre os livros há vários fios. E alguns, como o Água, Cão, Cavalo, Cabeça, são caminhos possíveis que me interessa continuar.»

« A epopeia é um género extraordinário. (...) Porque é possível encontrar coisas deslumbrantes e com uma modernidade total numa escavação.»

« Quando olho para um acontecimento o que tento ver é o núcleo. Não os dados mais superficiais ou as datas, coisas que se calhar perdem rapidamente a actualidade.»

«(...) Acho óptimo os livros não serem marcados no tempo. Não gosto muito da noção de que quando saem, as semanas seguintes é que são importantes. Isso é uma ideia contra o livro.»

« A noção de últimas notícias não tem necessariamente a ver com os livros. A literatura é um tempo paralelo.»

« (...) o meu olhar é mais literário. Olho muito à distância, vendo o contorno, a mancha, o tumulto, o som. (...) Gosto mais da ideia de reparar.»

« Reparar é parar muito tempo e tem simultaneamente em português o sentido de pôr em funcionamento alguma coisa que está avariada. Reparar também é descentrar. Não olhar o centro, mas as periferias, o pormenor. Há muita gente a reparar no centro. O trabalho literário é reparar no caixote do lixo que está escondido. Sobretudo, gosto da ideia da literatura enquanto ciência individual.»

« Por mais paradoxal que possa parecer, pois a ciência tenta sempre distribuir colectivamente o seu conhecimento. Mas há uma investigação que me interessa muito em termos literários. E está relacionada com a metodologia. Se eu sair à rua com um martelo o mundo transforma-se em algo martelável. Só estou a pensar em coisas que podem ser marteladas. Se em vez disso sair com uma chave de parafusos, parecer-me-á que o mundo é aparafusável. Os instrumentos que usamos mudam a nossa percepção. Agrada-me ter uma caixa de ferramentas variada.»

Como vês, perante estas respostas não interessam as perguntas, não achas?

BY THIS RIVER - BRIAN ENO


Trago-te as nuvens que só ilusoriamente tocamos com os nossos dedos erguidos. E que tu percebes tanto por dentro como por fora, linda amiga. Uma música quase triste como a chuva:

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Uma música para dormires bem...

Doçura linda... quero que adormeças ao som da minha esperança... ao som de um dos compositores que sempre amei.... porque me refugio nele e ele me agarra... A música tem destas coisas... ampara-nos a vida e nunca, NUNCA, nos desilude... podemos contar sempre com ela... como eu quero que contes comigo... Ai, quem me dera conseguir criar uma música para ti!!!!! Adoro-te amiga do coração!!! Espero que te restabeleças rapidamente!!! Esses micróbios invasores!

JANELAS DO MUNDO



finalmente acendem-se as janelas paradas
espero encostada cá fora longas volúpias
lentamente sugadas pela noite sossegada
onde crescem outros vícios sem sabor.

COMO UM ROMANCE - DANIEL PENNAC


 Isabelle Babington, The writer
«O homem constrói casas porque está vivo, mas escreve livros porque sabe que é mortal. Vive em sociedade porque é gregário, mas lê porque se sente só. A leitura constitui para ele uma companhia que não ocupa o lugar de nenhuma outra, mas que nenhuma outra poderia substituir. Não lhe oferece nenhuma explicação definitiva acerca do seu destino, mas tece uma apertada rede de conivências que falam de paradoxal alegria de viver, mesmo quando referem o trágico absurdo da vida. Por isso as razões que temos para ler são tão estranhas como as que temos para viver.»

Tradução de Francisco Paiva Bóleo

domingo, 24 de outubro de 2010

JANELAS DO MUNDO


Salvador Dali, Rapariga de pé à janela

Uma das mais famosas janelas do mundo da pintura merece palavras especiais:

« Eu sou do tamanho do que vejo...
E não do tamanho da minha altura.»

Fernando Pessoa

VIRGEM SUTA - LINHAS CRUZADAS



Uma música melodiosa cujo videoclipe exibe um Portugal rústico ao fundo como um postal. Uma alegria serena. Alentejana.

ANDRÉ BOTO - MELHOR FOTÓGRAFO EUROPEU 2010

Adorei saber deste prémio pois já era admiradora dos trabalhos deste fotógrafo português algarvio.
 (Aliás creio que foi no ano passado que me apaixonei por uma fotografia sua a preto e branco que capta a altitude magnânime das árvores altas, quando estas se juntam, tendo aberto um post com ela).
As fotografias com cunho surrealista, na linha dos pintores Salvador Dali, Magritte ou Escher são fabulosas e os retratos descolorados insidiosamente belos.

1

2

3

Mais fotos no seu site pessoal: http://www.andreboto.com/

NOT GOING ANYWHERE - KEREN ANN



Uma calma imensa acorda nesta melodia mas volta a adormecer. É assim o início do domingo.

ÍNDIA

Fascinam as cores da Índia como a escrita de M. Tavares (o Senhor da literatura). Mas não se façam confusões...de cor-de-rosa não tem nada, mesmo nada...

UMA VIAGEM À ÍNDIA - GONÇALO M. TAVARES

Cada livro anunciado de Gonçalo M. Tavares é, para mim, uma certeza de felicidade. Sei que estará no dia 22 Outubro nas livrarias o seu novo livro, Uma viagem à India. Na literatura já fiz várias viagens com este destino, mas esta não quero perder nem por nada. Fazem fila os livros do Gonçalo na minha casa. Gosto de empatar o primeiro da fila para nenhum deles me desaparecer da vista, quando passo. Vamos à India, linda amiga? (O nome dele está inscrito na capa vermelha como uma porta aberta, não achas? Damos logo de caras com o ponto misterioso e decidido do M; e a divisão não equitativa da largura da página - dá-se mais espaço ao autor do que ao próprio título ou à ficção por ele inventada - feita, tão bem, por um pêndulo (?) que para balançar necessita que demos corda aos nossos olhos para o lermos com muita atenção! Adorei a capa discretamente sublime.) Bjs de boa noite para ti, amiguinha.

sábado, 23 de outubro de 2010

SÓ MAIS UMA VOLTA - TIAGO BETTENCOURT

De uma colectânea de músicas de 2010 oferecida ao pequeno Tiago, gosto quando ele ouve este cantor que tem o seu nome. É bonita a letra, a melodia e o arrastar da voz em certas esquinas do tema...Ouve alto:

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

«Os artistas desejam ser reverenciados depois da sua morte. Não incluiu Fídias um retrato seu no escudo de Minerva, porque não lhe era permitido inscrever o seu nome?»

Cícero, Tusculanae Disputationes Liber Primus

A FILHA DA BEATRIZ - JUAN JOSÉ MILLÁS

Há muito que queria que lesses este pequeno conto de Juan José Millás, tão directo quanto ao direito à primazia da literatura canónica. Está cheio do seu humor característico, este "nuestro hermano"  provando mais uma vez que é fácil transformar as fantasias em realidade como o costuma dizer. Ora lê:

«Na sexta-feira passada, Dia do Livro, estava a comer uma sanduíche de lulas num bar da Rua López de Hoyos, quando se aproximou uma jovem de cabelo ondulado e saia de xadrez que parecia muito mais vir da minha adolescência do que da rua. Trazia na mão um livro de Paulo Coelho no qual, segundo me disse, acabava de ler que o mundo está cheio de sinais.

- Apercebi-me – acrescentou – de que comes o pão como se, mais do que mastigá-lo, o pensasses, tal como fazia o meu pai morto.

- Pois estou-me a cagar para o Paulo Coelho e para o teu pai morto – respondi eu sem agressividade. – Não falo com ninguém cujas citações literárias não sejam de Shakespeare para cima.

- Isso também era típico do meu pai – respondeu ela com doçura -, desprezar aquilo que ignorava. Podes estar a cagar-te para ele tanto quanto queiras, mas deixa o Paulo Coelho em paz.

Dei-me então conta de que o mundo estava realmente cheios de sinais. Aquela rapariga recordava-me uma namorada da minha adolescência chamada Beatriz, um nome um bocado estranho para a época, dominada pelas paquitas, as julias e as marujas. Talvez, pensei, estava a dizer-me alguma coisa vinda do passado. Estou a andar pela rua de Constancia, em direcção ao colégio, e, subitamente, vejo aparecer de frente a Beatriz, que vai para as aulas de estenografia e dactilografia. Talvez seja um pouco cruel exigir uma citação de Shakespeare a alguém com uma bagagem cultural tão escassa. Ao fim e ao cabo, eu tropecei com Shakespeare por acaso e nem sempre consigo compreender o que diz. Faltou-me uma unha negra para ficar pelo Paulo Coelho: talvez o tivesse preferido na condição de que Beatriz permanecesse ao meu lado. Agora seríamos os dois velhos e veríamos televisão e leríamos juntos Paulo Coelho. Os nossos filhos encheriam a casa de livros de auto-ajuda e teríamos encontrado para a vida um sentido coelhiano. Dito assim, soa bem, melhor do que sartriano ou Wittgensteiniano.

Falando de Wittgenstein, lembrei-me de um livro muito importante da minha juventude: La Viena de Wittgenstein. Se me tivesse casado com a Beatriz, talvez eu pudesse ter escrito El São Paulo de Coelho. Não sei, nunca se sabe o que é importante e o que não é. Dei um gole na cerveja, mordi o pé de uma lula que se escapava pela ferida aberta do pão e lancei um olhar amável à rapariga.

- Olha – disse-lhe eu -, não quero incomodar-te, mas o Paulo Coelho escreve muito mal e é um farsante. Além disso, não acredito que o mundo esteja cheio de sinais. Mais precisamente, peca pelo contrário: por falta de sinalização. O mundo é pior do que o aeroporto de Frankfurt: todas as indicações estão lá postas para nos confundirem, para apanharmos o voo errado ou para ficarmos presos no labirinto dos seus corredores.

- Mais uma razão para que quando apareça um sinal nos agarremos a ele, e já disse que és parecido com o meu pai.

- Pois não é para dar razão ao Coelho, mas tu és igualzinha a uma rapariga por quem estive apaixonado na minha adolescência. Igualzinha, igualzinha. Se calhar, és filha dela. Chamava-se Beatriz.

- Não continues – respondeu a rapariga, empalidecendo. – A minha mãe chama-se Beatriz, mas tenho medo de que se continuares a falar não se trate dela, gostando eu tanto dos sinais do destino.

Eu também tive medo de indagar, não fosse romper-se a magia, salvo seja. Nunca teria podido imaginar a Beatriz viúva, com a roupa interior preta e tudo isso. Eu continuava solteiro por preguiça. Talvez nenhuma mulher tivesse insistido o suficiente, mas de repente pensei que se a Beatriz era viúva e ainda sentisse alguma coisa por mim, eu estaria disposto a casar-me com ela, ainda que a filha lesse o Paulo Coelho. Pessoalmente, eu caíra caira no ano anterior no desvario de ler Susanna Tamaro.

- Quero casar-me com a tua mãe – ouvi-me dizer com decisão, ao mesmo tempo que pagava a cerveja e a sanduíche de lulas.

- Mas se nem sequer sabes se é a Beatriz da tua juventude.

- Não interessa – respondi. – Se isto é um sinal, não quero deixar de o ler. Dá-me pânico passar a vida num aeroporto à procura do posto de informações. Leva-me a ela. Serei como um pai para ti.

Isto é o que realmente imaginei, e sem dúvida o que devia ter feito, mas não tive coragem de atraiçoar Shakespeare em favor de Coelho. Entre a literatura e a vida, escolhi sempre a literatura, e vejam-se os resultados. A rapariga abandonou o estabelecimento à procura de outro sinal e quando eu saí ela já tinha desaparecido.»

Juan José Millás, Os Objectos Chamam-nos, pp.130, 131, 132

O Hotel de Juan José Millás e muitas Palavras que o dão a conhecer melhor

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Because this must be

Dou-te esta janela, amiga linda! Para sonhares para além dela!!!

JANELAS DO MUNDO

Edward Munch

Da janela o inverno parece apenas branco. Do branco a janela parece apenas o homem que a fecha.

A VOZ QUE EM LITERATURA DIZ EU




Sempre me deixei impressionar pelas dissimulações descaradas dos escritores ao tomarem nos seus escritos literários a voz de um outro. Esse grau de distanciação fantástica que a separa (muito ou pouco) da voz autoral, por si só, já torna, para mim, um texto literário num texto interessante. Por isso adorei deparar com esta temática no texto ensaístico de Alberto Manguel a que deu o título "A voz que em literatura diz «eu»", publicado na Ler deste mês. Sempre valeu a pena comprar a revista...
Também a mim me encantou a literatura em tenra idade por querer ver até que ponto o escritor era capaz de "mentir" num pressuposto artístico. Gostava sempre muito daqueles que se distanciavam do eu de forma exagerada pois antevia na escrita a possibilidade inteligente de representar outros papeis, de experimentar vidas, supremas ou desgraçadas, e sentir naquelas palavras a capacidade desses mesmos escritores se transformarem. Como o demonstra o conto de Henry James, A coisa propriamente dita, aprecio a capacidade transformativa dos artistas, nomeadamente daqueles cuja arte depende da palavra e do gesto. Ser outra coisa que não aquilo que somos (ou nos habituamos a ser) é fascinante... a literatura prova bem isso. É também ideal o modo como através do universo literário andamos atrás de nós próprios  (tanto quando leio como quando escrevo), à procura das emoções que nunca tivemos, à procura de uma identidade que não nos pertence até a esse momento. Lembro-me a este propósito de Oscar Wilde e do que disse sobre a pintura e, mais concretamente, o retrato. Assim testemunha que os retratos que são pintados com emoção são retratos do artista e não do modelo que o serviu. Aquele que o artista pintou tão cheio de sentimento não é quem ele observou, não, mas sim o próprio artista que se revela. Concordo plenamente com Wilde pois mesmo descrevendo aquilo que não sinto, parto do que sinto, projectando o seu inverso. Quando em palavras me delicio com algo repugnante, parto sempre do belo, aliás, do meu conceito de belo até chegar ao extremo antitético daquilo que me fascina. Qualquer voz que simule, que distancie da minha (esticando a minha capacidade de mentir até ao limite como um elástico...), mete em evidencia tudo o que sinto, mesmo quando não me pareço comigo própria. 
Concluindo, acho a escrita assustadoramente bela nesse mistério que se desprende dela,  criando outras vozes que  aproximam o escritor de um demiurgo.
Gostaria de passar para este post todo o extenso texto de Alberto Manguel, mas não posso fazê-lo por questões de tempo. Passo apenas, para finalizar, a citação que  o abre, de Samuel Beckett, na língua francesa (aquela que parece cantada pelos pássaros), acabando assim a minha breve reflexão da forma inversa da que ele, Alberto Manguel, começou. Tenho pena de te dar tão pouco acerca do tema em questão, mas haverá tempo de to ler, em presença ou ao telefone (com muita magia dentro da voz, simplesmente humana), linda amiga... Aqui vai a citação soberba:
 « Je dis je en sachant que ce n'est pas moi»


quarta-feira, 20 de outubro de 2010

«Efectivamente, um leitor compulsivo é um conquistador. E ele considera as terras impressas que se abrem à sua frente como o equivalente daquelas que foram conquistadas por Alexandro, o Grande, por Genghis Khan ou Napoleão, pelo menos tão fascinantes e ricas como aquelas, e em todo o caso, exigindo menos devastações inúteis, menos crueldades e sangue derramado.»

Jacques Bonnet, Bibliotecas cheias de fantasmas, Quetzal, p.69

terça-feira, 19 de outubro de 2010

VIVER NA BEIRA-MAR

Nunca o mar foi tão ávido
quanto a minha boca. Era eu
quem o bebia. Quando o mar
no horizonte desaparecia e a areia férvida
não tinha fim sob as passadas,
e o caos se harmonizava enfim
com a ordem, eu
havia convulsamente
e tão serena bebido o mar.


Fiama Hasse Pais Brandão, Três Rostos - Ecos

A RONDA DA NOITE - PETER GREENAWAY



A propósito do último romance de Agustina Bessa-Luís, "A Ronda da Noite", aquele a partir do qual,  como soubemos no último sábado na Escritaria,  Festival de Literatura anual de Penafiel, Manoel de Oliveira tem a intenção de fazer, quem sabe, o seu último filme de cinema (tal como para Agustina foi o último romance...)  a minha querida amiga Paula Vieira falou-me da "Ronda da Noite", filme de um dos seus realizadores preferidos, Peter Greenaway. Prometeu-me o filme e falou-me palavras entusiasmadas acerca desta tão famosa ronda de Rembrandt...palavras quase translúcidas e verdes como os seus olhos lindos...

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

PEDRO, LEMBRANDO INÊS - NUNO JÚDICE

Em que pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: «Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?» Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.

Nuno Júdice, Pedro, lembrando Inês

A ESCRITA DE AGUSTINA BESSA-LUÍS

       Para que leias, linda amiga, como a escrita de Agustina é luminosa, trazendo com ela (sempre de mão dada!) a aparente simplicidade das coisas...este é um excerto do romance histórico Adivinhas de Pedro e Inês, que reabre um novo espaço literário na recriação (original) da trágica e bela história de amor portuguesa de todos os tempos, imortalizada por Camões n' Os Lusíadas bem como neste romance histórico tão encantador. Neste excerto, a narradora descreve, desta forma tão sensitiva e surpreendente, a Quinta das Lágrimas, a qual - confessa - quase foi comprada pelo seu pai.

Experimenta em voz baixa mas convicta da magia do som destas palavras:

 «Era numa tarde muito quente, em Maio. O calor de Maio, em Coimbra, traz no coração o perfume da tília em flor; desde o alto do Jardim da Sereia ele abate-se até ao fundo da cidade como um lenço abafante e suave. É um calor e um perfume que deprimem. Acompanham os estudantes quando eles revêem a matéria, fumando com gesto irritado e deixando o olhar parar nas varandas da frente onde outros estudantes mourejam nas páginas das sebentas.
        Mas, voltando à Quinta, que está num vale sem horizontes, que seriam dantes os fecundos campos de regadio, com manantes a visitar-lhe os muros para roubar capôes e melancias: estranhei-a, de tão deserta. Não havia um só visitante, ou um morador; e não vi também guardião. Só um cãozito sujo, de pêlo em que a lama secara, me lançava de longe alguns ladridos curtos, sem cólera, por simples obrigação.
        A casa não tinha cortinas nem vestígios de ser habitada. Havia, em volta, alguns canteiros onde crescera a beldroega e umas açucenas tão altas que podiam chamar-se o bordão de S. José. Na parede, uma mancha de água que se infiltrara pelo telhado parecia a sombra de uma mulher; uma mulher alta e corpulenta, que risse, os ombros deitados para trás. Ouvi, ou pareceu-me, um arrastar de passos, mas durou pouco; tudo ficou silencioso outra vez. Porém, quando eu já me afastava vi, sentada numa velha cadeira de verga, uma senhora ainda nova, com uns óculos na mão direita e que olhava para mim com uma frieza condescendente. Se era a dona da casa era uma excêntrica, porque estava vestida com uma saia cor de ferrugem, tendo por cima um vestido verde, aberto, e um cinto dourado. Os cabelos usava-os soltos e eram de um belo loiro carregado com reflexos mais claros sobre as orelhas. O rosto era rosado, mas notava-se que usava carmim, muito fino e brilhante. Estendeu as pernas com um movimento preguiçoso; estavam nuas e eram tão brancas como o ventre das trutas. Até certo ponto parecia muito uma lavradeira abastada, dessas do Alto-Minho que se descalçam ao fim das tardes de Verão para ir regar, [...]  .»

 
Agustina Bessa-Luís, Adivinhas de Pedro e Inês, Guimarães & Cª Editores, 1983, pp.7,8

JANELAS DO MUNDO

O vento, esse, entrava dentro de mim como se não me visse, como se eu não tivesse o direito de me alindar de organza e rendas, como se a estrada que eu visse não fosse aquela que o trouxe até mim para sempre, como sempre prometera.

domingo, 17 de outubro de 2010

CINEMA COM TILDA SWINTON

Dois filmes com a carismática  Tilda Swinton que é impensável não ver (bem às escuras!):

I'm Love (para aprender o amor e com uma banda sonora incrivelmente bela) ... :



... e, baseado na obra de Virginia Wolf, Orlando (publicada em 1928), a personagem que atravessa magicamente 350 anos,  épocas históricas de fascínio garantido e tanto é homem como mulher... :

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

FILME DO DESASSOSSEGO - JOÃO BOTELHO



"Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso."

Bernardo Soares, Livro do Desassossego, P.294

CITAÇÕES

Franz Eybl, Jeune Fille Lisant

"Gostaria que ficassem maravilhados , não apenas com o que lêem, mas também com o milagre da legibilidade."

Nabokov, Fogo Pálido

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

CARTAS DA LITERATURA


Mais uma carta da literatura portuguesa (como prometi a Caridee), esta do primoroso romance O Primo Basílio, do grande Eça. A 1ª edição deste romance data de 1878. Lembro-me que  li este livro há muitos anos, num tempo em que o universo do Eça de Queirós era como uma cadeira de baloiço para a minha alma, lendo-o apenas num balanço. Dele retirei  uma carta de amor que Luísa escreve secretamente a Basílio, seu primo, com quem mantém um caso extra-matrimonial:


«Meu adorado Basílio
Não imaginas como fiquei quando recebi a tua carta, esta manhã ao acordar. Cobri-a de beijos...
(...)
Que tristeza que fosse a carta e que não fosses tu que ali estivesses! Estou pasmada de mim mesma, como em tão pouco tempo te apossaste do meu coração, mas a verdade é que nunca deixei de te amar. Não me julgues por isto leviana, nem penses mal de mim, porque eu desejo a tua estima, mas é que nunca deixei de amar e ao tornar a ver-te, depois daquela estúpida viagem para tão longe, não fui superior ao sentimento que me impelia para ti, meu adorado Basílio. Era mais forte que eu, meu Basílio. Ontem, quando aquela maldita criada me veio dizer que tu te vinhas despedir, Basílio, fiquei como morta; mas quando vi que não, nem eu sei, adorei-te!E se tu me tivesses pedido a vida dava-ta, porque te amo, que eu mesma me estranho...Mas para que foi aquela mentira, e para que vieste tu? Mau!  Tinha vontade de te dizer adeus para sempre, mas não posso, meu adorado Basílio! É superior a mim. Sempre te amei, e agora, que sou tua, que te pertenço corpo e alma, parece-me que te amo mais, se é possível...»

Eça de Queirós, O Primo Basílio, Europa-América, p.137

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

OS LIVROS -EUGÉNIO DE ANDRADE

Os Livros


Os livros. A sua cálida
Terna, serena pele. Amorosa
Companhia. Dispostos sempre
A partilhar o sol
Das suas águas. Tão dóceis
Tão calados, tão leais.
Tão luminosos na sua branca e vegetal cerrada
Melancolia.
Amados
Como nenhuns outros companheiros
Da alma. Tão musicais
No fluvial e transbordante
Ardor de cada dia.


Eugénio de Andrade

Antologia Breve, Editorial Nova

terça-feira, 12 de outubro de 2010

ESCRITARIA 2010

«Depois de José Saramago, em 2009, e de Urbano Tavares Rodrigues, em 2008, o ESCRITARIA é em 2010, dedicada a Agustina Bessa-Luís. A 3ª edição do único festival literário, que junta em volta de um escritor de língua portuguesa vivo, o estudo, a partilha e a fruição da obra, é novamente organizado pela Câmara Municipal de Penafiel, em parceria com a Escritaria e a Edições Cão Menor.

Na Edição do ESCRITARIA 2010, Penafiel será “contaminada” pela obra e pela vida de Agustina Bessa – Luís, autora de “A Sibila”, “Vale Abraão”, “A Quinta Essência”, entre muitas outras obras. Penafiel será assim durante 3 dias, o palco de uma grande homenagem, em vida, que irá envolver todos sem excepção, desde os transeuntes aos visitantes das exposições, da arte de rua (contaminação), das conferências e dos workshops, sem esquecer os convidados, que vão passar por Penafiel à (re) descoberta de Agustina Bessa – Luis.

O ESCRITARIA, contará como é habito, com a presença de algumas individualidades do mundo da cultura, e não só, que em Penafiel, vão homenagear a escritora.

De 15 a 17 de Outubro, ESCRITARIA vai desenvolver um vasto conjunto de iniciativas de reflexão e partilha literária de Agustina Bessa – Luís, tudo num autentico ambiente de “contaminação” pela vida e obra da autora, visível nas ruas, nas fachadas dos edifícios, nas montras das lojas, com recurso a intervenções artísticas em espaço urbano, a aforismos, frases soltas, referências históricas, imagens e obras plásticas que remetem para o universo da escritora.»
Fonte: metronews

Para mais informações sobre este festival literário:

http://www.cm-penafiel.pt/VSD/Penafiel/vPT/Publica/Agenda/Eventos/escritaria2010homenagemagustina.htm




domingo, 10 de outubro de 2010

LIVRO DO DESASSOSSEGO - EXCERTOS QUE ABALAM

«A arte livra-nos ilusoriamente da sordidez de sermos. Enquanto sentimos os males de Hamlet, príncipe da Dinamarca, não sentimos os nossos - vis porque são nossos e vis porque são vis.
«O amor, o sono, as drogas e intoxicantes, são formas elementares de arte, ou, antes, de produzir o mesmo efeito que ela. Mas amor, sono e drogas tem cada um a sua desilusão. O amor farta ou desilude. Do sono desperta-se, e, quando se dormiu, não se viveu. As drogas pagam-se com a ruína de aquele mesmo físico que serviram de estimular. mas na arte não há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio. Da arte não há despertar, porque nela não dormimos, embora sonhássemos.Na arte não há tributo ou multa que paguemos por ter gozado dela.
O prazer que ela nos oferece, como em certo modo não é nosso, não temos nós que pagá-lo ou que arrepender-nos dele.
Por arte entende-se tudo o que nos delicia sem que seja nosso - o rasto da passagem, o sorriso dado a outrem, o poente, o poema, o universo objectivo.
Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência.»

Bernardo Soares, Livro do Desassossego, p.256

Biel Ballester Trio (Vila Real, 9/10/2010)





No 100.º aniversário do nascimento do lendário guitarrista Django Reinhardt

«O Biel Ballester Trio é seguidor do mais europeu dos estilos de jazz, o jazz manouche (ou gipsy jazz), que teve em Django Reinhardt o seu precursor e expoente máximo. O trio procura não só manter a tradição do estilo, tocando os standards mais ...conhecidos de Reinhardt, mas também incorporar novas tendências nos seus originais. Dois temas do grupo foram escolhidos por Woody Allen para a banda sonora do seu filme “Vichy Cristina Barcelona”, contribuindo para o sucesso internacional que o trio tem vindo a obter.»

DOS FILÓSOFOS E DOS POETAS


«Dos filósofos e dos poetas sabe-se pouco; no entanto, uma certeza: não são como os outros; não mudam.
Se Procrustes, o bandido de Ática, que depois de roubar os viajantes, os deitava numa cama de ferro, cortando-lhes os pés se estes fossem mais compridos que a cama, e esticando-os com cordas, no caso de serem mais pequenos; se, dizíamos, Procrustes, o bandido de Ática, aprisionasse um sábio ou um poeta, não teria dificuldade em transformar-lhes o corpo de acordo com as medidas da sua violência, mas o que jamais conseguiria era normalizar-lhes ideias, ou a vontade.»

Gonçalo M. Tavares, Histórias Falsas

I COULD NEVER BELONG TO YOU - SARAH BLASKO



O mar guarda a força da música.

WE WON'T RUN - SARAH BLASKO



Um vídeo invulgarmente irresistível e outra música linda para tornar o domingo mais lento.

ALL I WANT - SARAH BLASKO



Ao domingo arranja-se a casa com melodias, abrem-se as janelas e canta-se... (a australiana cantautora Sarah Blasko numa voz e num regista que a vira para dentro, mostrando-nos a sua intimidade, tímida e encantadoramente):

«I don't want another love, so don't keep holding out your hands, there's no room beside me, I'm not looking for romance.»

sábado, 9 de outubro de 2010

A LITERATURA, PARA QUÊ?

"Um mundo sem Literatura teria como traço principal o conformismo, a submissão dos seres humanos ao estabelecido. Seria um mundo animal. (...) Escreve-se para preencher vazios, para fazer separações contra a realidade, contra as circunstâncias."

Mario Vargas LLosa

ANDREW BIRD EM LISBOA



É incrível a sorte que os lisboetas têm. Tudo o que vale a pena ver (e ouvir, neste caso) está num atravessar da rua. Que grande excentricidade a de receber Andrew Bird  numa quinta-feira à noite na capital... Com que grande mágoa eu fico por não ser alfacinha... Vê, linda amiga, aquilo que foi impossível para nós, agora em diferido.

JANELAS DO MUNDO


Gostava que esta fotografia tivesse o título: "Janela verde e branca com mulher no canto" ou talvez "A mulher que sonhava ser janela"... É que, por vezes, o espaço de refexão que proporciona o quarto de onde espreitamos da janela não se faz suficientemente propício para nos evadirmos profundamente e nos concretizarmos, nós mesmos, nessa caixilharia pesada e puída, nesse objecto geométrico e colorido de onde se estende o olhar para o outro.
Querer não-ser.  Desejo a partir do qual começa um grande sonho do nós que se lembra dos sonhos dos outros a passar defronte da casa como um comboio. 
Querer não-ser, nem que para isso seja condição o desencontro eterno com o nosso ser, apenas fechando os olhos,  apenas pressentindo uma alma diferente, uma janela verde e branca com muito tempo.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

SOFT AS CHALK - JOANNA NEWSON

Lindíssima a primeira música do terceiro cd:


Parece fácil transformar uma mulher em música.

ON A GOOD DAY - JOANNA NEWSON

Façamos de todos os dias good days como canta Joanna Newson nesta primeira música do segundo cd magnificamente:

HAVE ONE ON ME- JOANNA NEWSON



Um triplo álbum cheio de beleza. Easy é a música que abre o primeiro CD e me enche a casa de palavras e de sons magníficos, de uma misteriosa ambiência, de uma felicidade discreta. O que pode a música...

À VOLTA DA EPÍGRAFE

«Que seria, pois, de nós, sem a ajuda do que não existe?»

Paul Valéry, Breve Epístola sobre o Mito


Não resisto a esta epígrafe que Mario Vargas LLosa transpõe para o romance " O Paraíso na outra esquina". Na verdade são as coisas que não existem que nos fazem sonhar e andar de roda de tudo o que é palpável - pessoas, objectos, sítios - como se a partir deles pudéssemos tocar nesse bem maior chamado felicidade.

O PARAÍSO NA OUTRA ESQUINA - MARIO VARGAS LLOSA


Resumo contido na badana do livro:
«Onde se encontra o paraíso? Na construção de uma sociedade igualitária ou no retorno ao mundo primitivo?

Duas vidas: a de Flora Tristán, que põe todos os seus esforços na luta pelos direitos da mulher e dos operários, e a de Paul Gauguin, o homem que descobre a sua paixão pela pintura e abandona uma existência burguesa para viajar para o Tahiti em busca de um mundo não contaminado pelas convenções.

Duas concepções de sexo: a de Flora, que só vê nele um instrumento de domínio masculino, e a de Gauguin, que o considera uma força vital imprescindível posta ao serviço da sua criatividade.

Que têm em comum estas duas vidas desligadas e opostas, à parte o vínculo familiar por ser Flora a avó materna de Gauguin? É isto que Mario Vargas Llosa põe em relevo neste romance: o mundo de utopias que foi o século XIX. Um vínculo entre duas personagens que optam or modelos de vida opostos que revelam um desejo comum: alcançar um paraíso onde seja possível a felicidade para os seres humanos.»

Transcrevo um excerto que se reporta a Flora Tristán no momento anterior à descrição da sua tentativa frustada de pedir ajuda ao Padre Fortin para a concretização bem sucedida do projecto que designa por União Operária:

“Quando regressava ao albergue pelas ruelas curvas e empedradas de Auxerre, viu numa pequena praça com quatro álamos de folhas branquíssimas recém-despontadas um pequeno grupo de meninas que brincavam, formando figuras que as suas corridas faziam e desfaziam. Deteve-se a observá-las. Jogavam ao Paraíso, esse jogo que segundo a tua mãe, tinhas jogado nos jardins de Vaugirard com amiguinhas da vizinhança, sob o olhar risonho de don Mariano. Lembravas-te Florita? «É aqui o Paraíso?» «Não, menina, é na outra esquina.» E enquanto a menina, de esquina em esquina, perguntava pelo esquivo Paraíso, as restantes divertiam-se mudando de lugar nas suas costas. Recordou a impresão daquele dia em Arequipa, no ano de 1833, perto da Igreja de La Merced, em que, de repente, se encontrara com um grupo de rapazes e raparigas que andavam às correrias no saguão de uma casa profunda. «É aqui o Paraíso?» «Na outra esquina, meu senhor.» Esse jogo que julgavas francês era afinal também peruano. Bom, que tinha isso de estranho? Chegar ao Paraíso não era uma aspiração universal? Ela tinha ensinado os filhos, Aline e Ernest-Camille, a jogá-lo.”

Ainda outro que introduz a personagem histórica Paul Gauguin:

“Devia o apodo de Koke a Teha’ amana, a sua primeira mulher da ilha, porque a anterior, Titi Pehitos, essa gralha neo-zelandeza-maori com a qual nos primeiros meses em Taiti vivera em Papeete, a seguir em Paea e finalmente em Mataiea, não tinha sido, falando com propriedade, sua mulher, mas apenas uma amante. Nesses primeiros meses toda a gente lhe chamava Paul.

Chegara a Papeete ao amanhecer de 9 de Junho de 1891, após uma travessia de dois meses e meio desde que largara de Marselha, com escalas em Aden, e Noumea, onde tivera de mudar de barco. Quando pisou, por fim Taiti, acabava de completar quarenta e três anos. Trazia consigo todos os pertences, como que para deixar claro que tinha cortado para sempre com a Europa e Paris: cem jardas de tela para pintar, tintas, óleos e pincéis, uma corneta de caça, dois bandolins, uma guitarra, vários cachimbos bretões, uma velha pistola e um pequeno punhado de roupas usadas. Era um homem que parecia forte – mas a tua saúde estava secretamente minada, Paul -, de olhos azuis um tanto ou quanto saltitantes e movediços, boca de lábios rectos geralmente franzidos numa careta desdenhosa e um nariz quebrado, de aguioto predador. Usava uma barba curta e eriçada e compridos cabelos castanhos, a atirar para o vermelhusco, que pouco tempo depois de chegar a esta cidade de apenas três mil e quinhentas almas (…) cortou, pois, o subtenente Jénot, da Marinha francesa, um dos seus primeiros amigos em Papeete, lhe dissera que, por causa daquele cabelocomprido e do chapelinho moicano à Buffalo Bill que usava na cabeça, os maoris o julgavam, um mahu, um homem-mulher.

Trazia muitas ilusões consigo. (…)”