Um excerto (do Capítulo I) deste livro mostra a verdade da comunicação proferida pela espanhola Laura Eugenia Tudoras sobre a literatura francesa do século XXI e as suas linguagens. Nota o silêncio que ela sublinhava na obra de Quignard aqui presente. Nota a beleza que ele atinge em frases curtas como na poesia. Nota que ele é um poeta sentado nos seus romances:
«Os rios mergulham perpetuamente no mar. A minha vida no silêncio. Toda a idade é aspirada pelo seu passado como o fumo pelo céu.
Em 1993, M. e eu vivíamos em Atrani. Um porto minúsculo situado ao longo da costa amalfitana, abaixo de Ravello. Mal se pode dizer que seja um porto. Quando muito um ancoradoiro.
Tinha de subir cinquenta e sete degraus no flanco da falésia. Entra-se num antigo oratório edificado pela Ordem de Malta e dotado de dois terraços em ângulo que davam para o mar. Só se via o mar. Por todo o lado, só se via o mar branco, movediço, vivo, frio da Primavera. (...)
Em 1993 M. estava silenciosa.
M. era mais romana que os romanos (ela tinha nascido em Cartago). Era muito bela.O italiano que ela falava era magnífico. Mas M. ia fazer trinta e três anos e lembro-me que se tornara silenciosa.
Em toda a paixão há um ponto de saturação que é terrível.
Quando se chega a este ponto, sabe-se, de repente, que impotente para aumetar a febre do que se está a viver, ou mesmo incapaz de a perpetuar, ela vai morrer.Chora-se antecipadamente, bruscamente, no íntimo de si mesmo, num canto da rua, à pressa, levado pelo medo de se dar infelicidade a si mesmo, mas também por profilaxia, na esperança de vencer ou de atrasaro destino.
Argumento é uma palavra antiga que quer dizer a brancura da aurora. É tudo o que se ilumina e se discerne nesta palidez que surge em alguns instantes. Peremptório é o argumento: nunca é possível desviar o rio no instante exacto da sua cheia.
Assim como não é fácil parar o dia na sua aurora.
Espera-se.
Espera-se sem nada poder fazer, subitamente, numa contemplação tornada infeliz.
Ou o amor surgirá da paixão, ou nunca nascerá.
É verdade que não é fácil desenfeitiçar este momento petrificado. Cada um tem de superar este passo estranho em que tudo o que era descoberta no fundo da alma descobre que não descobrirá mais.
Onde tudo se põe a reconhecer.
(...)
Só se ama uma vez. E a única vez em que se ama não se sabe, uma vez que o estamos a descobrir.»
3 comentários:
Doçura
Magnífico excerto!
Adorei as frases tão pequenas e de facto, como dizias e bem, tão repletas de poesia!
Sobre a essência do texto... é-me de momento difícil falar sobre ela... o vazio é grande...
Muitos beijos amiga doce...
Anabela
amiguinha
não resisti à leitura renovada deste excerto... é de facto deslumbrante como envolve o leitor na história... fiquei imersa naquelas palavras que quase se esfumam por entre os céus, roubando palavras do prórpio...
mais um autor a ler....obrigatoriamente!
Obrigada minha amiga pelo tanto que me dás para saciar esta curiosidade tão ávida!!!!
Muitos beijos!
Acabei de o ler, em francês, com dificuldade, de dicionário ao lado. É maravilhoso, apesar disso. Vale o esforço de ler no original.
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