terça-feira, 6 de dezembro de 2011

SHORT MOVIES - GONÇALO M. TAVARES


Com uma capa tão bonita como esta,  não dá vontade de avançarmos para os textos que ela encobre, não fosse o nome do autor, GMT, uma garantia de qualidade singular. Alguns textos geniais:

O JOGO
Um banquete tumultuoso, comida e vinho a passar de um lado para o outro. Pessoas a gritarem, risos, pessoas em pé, outras sentadas. No meio da mesa do banquete dois homens jogam um jogo de tabuleiro – estão totalmente concentrados nele e alheados da confusão. Não têm pratos nem copos, apenas o tabuleiro à sua frente – as peças, umas pretas, outras vermelhas. Talvez nenhum dos convidados do banquete saiba, e talvez nem sequer os dois jogadores saibam, mas quem ganhar aquele jogo de tabuleiro poderá matar uma pessoa que está naquela sala, uma pessoa à sua escolha. Foi isto que decidiu o dono da casa, que não se vê em lado nenhum. O vencedor merece um prémio, e é este o prémio: pode matar quem quiser.
O vencedor do jogo ainda não sabe, mas vai aceitar o prémio, claro. Entretanto, como o jogo ainda decorre, o banquete também continua e há tantas pessoas alegres, há tantos risos, que até parece estranho pensarmos que um daqueles que agora devora patas de animal e ri às gargalhadas, que será um desses a ser assassinado daí a poucos minutos. Os banquetes são estranhos, sempre foram, mas aquele é ainda mais estranho por causa daqueles dois jogadores.

 A NOTÍCIA
A mulher está a ler o jornal, as mãos tremem.
Há uma qualquer notícia que a perturba. Não vemos o que é, só vemos a força com que ela amarrota o jornal, e depois o modo como o endireita outra vez e se dirige ao quarto. Pega na almofada, abre a fronha e põe lá dentro o jornal.
Alisa a almofada e coloca-a no sítio em que estava antes, como se nada fosse. Sai do quarto.
Fez aquilo como alguém que quer provocar pesadelos noutra pessoa. Quem dorme naquela cama, e que notícia assustou tanto aquela mulher?

A LOUCA
Um fotógrafo tira fotografias a uma louca. O fotógrafo diz que nem o melhor actor consegue ter a expressividade do rosto de uma louca. E por isso não pára. Mesmo quando a louca diz não com a cabeça, não com a boca e, por fim, não com o dedo.


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