sexta-feira, 9 de setembro de 2011

ABRO A PORTA


Abro a porta à minha rua muitas vezes por dia.
Ela acaba por ser convidada como tantos outros.
Gosto dela e dos passeios cobertos de árvores chiantes
(que mais não são do que museus de pássaros que espreito)
que por acaso também entram e se sentam frondosas de melodias
no sofá comigo. Deixo-a percorrer a casa de memórias e de vento dos vales
 pois a rua não é só estrada, tem passeios de histórias e uma vida intensa
 que vem de longe. Uma verdadeira calçada de espasmos. 
Sei que se prostitui na noite e não a julgo. Sei que a solidão lhe dói e não sabe ser
senão de todos. Vejo-a delicada na entrada comum, depois de tocar à campainha.
 Insinuante mas educada na invasão que me impõe.
 Convido-a a entrar intrusa e imensa e vejo-lhe a infância quando se levanta e corre
 à varanda a espreitar o vazio que deixou lá fora. Ao longe vê outras ruas vizinhas
que não a reconhecem mais perto do sol, mais alta de ruídos, mais livre de passantes.
De noite custa-me mais deixá-la entrar pois não a vejo bem em alcatrão e
temo que com ela assaltem estranhos esta casa que lhe abro só a ela, à minha rua,
na montanha distante. Mas há noites que se sinto o seu silêncio  mais restrito
a abraço com uma palavra que corta a mágoa da pouca luz que traz. Sim, deixo-a
entrar vadia e só.  A casa fica outra com a rua deitada dentro e essa dispersão
 confusa faz-me adormecer mesmo sem saber se estou dentro ou fora dela.

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