sábado, 10 de setembro de 2011

SYLVIA BEIRUTE - UMA PRÁTICA PARA DESCONSERTO

Gosto dos poemas frios de Sylvia Beirute. Gosto particularmente deste poema que distancia o leitor do poeta pelo decreto (ou intuição) de uma morte mais rápida, mais inteira para com aquele que apenas lê. Gosto da imodesta sinceridade deste eu poético que afirma querer tudo para si no presente. Que atira o futuro para trás das costas, irreverente e insaciável.

LEITURA EXPLÍCITA
{talvez um dia regresse à voz do leitor.}
o leitor morre mais depressa que o poeta.
quero os meus poemas a morrerem
daqui a cem anos
no último fio de voz do primeiro leitor imediato
e numa altura em que todos os livros
subirão aos céus.
não quero o prazer de haver sido distante
num tempo distante. quero o prazer
de ser imediata e soberba
num tempo imediato e arrogante.
quero manufacturar tudo o quanto de pescoço há
na representação.
porque o tempo futuro é um encolher de ombros,

e nos meus poemas as razões se limitam
a retirar razões a outras razões.

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