Gosto dos poemas frios de Sylvia Beirute. Gosto particularmente deste poema que distancia o leitor do poeta pelo decreto (ou intuição) de uma morte mais rápida, mais inteira para com aquele que apenas lê. Gosto da imodesta sinceridade deste eu poético que afirma querer tudo para si no presente. Que atira o futuro para trás das costas, irreverente e insaciável.
LEITURA EXPLÍCITA
{talvez um dia regresse à voz do leitor.}
o leitor morre mais depressa que o poeta.
quero os meus poemas a morrerem
daqui a cem anos
no último fio de voz do primeiro leitor imediato
e numa altura em que todos os livrossubirão aos céus.
não quero o prazer de haver sido distante
num tempo distante. quero o prazer
de ser imediata e soberba
num tempo imediato e arrogante.
quero manufacturar tudo o quanto de pescoço há
na representação.
porque o tempo futuro é um encolher de ombros,
e nos meus poemas as razões se limitam
a retirar razões a outras razões.
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sábado, 10 de setembro de 2011
segunda-feira, 13 de junho de 2011
MANUEL ANTÓNIO PINA - A POESIA VAI
A POESIA VAI
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algumpoeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
– Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? –
in Poesia, Saudade da Prosa - uma antologia pessoal, Assírio & Alvim, 2011
quinta-feira, 31 de março de 2011
quarta-feira, 16 de março de 2011
GONÇALO M. TAVARES - O homem ou é tonto ou é mulher
Deixo um excerto famoso de um poema deste livro de poesia (esgotadíssimo) de Gonçalo M. Tavares, seguido de um outro poema em que o medo se mostra tão verdadeiramente humano que parece uma cópia da tradução dos registos de um cérebro que tenta entender-se, entender razões do seu temor e registá-lo poeticamente.
1.
Mas não julguem que não penso.
Eu sou é um pensador doméstico.
Fecho-me em casa e penso muito.
Quando venho cá para fora é que começo a disfarçar.
(...)
É muito difícil ser inteligente com tanta rapariga bonita a passar.
2.
Às vezes tenho medo, muito medo.
Às vezes sofro.
Às vezes, penso nas pessoas que amo e penso na
possibilidade de as perder.
Às vezes vejo alguém doente e fico incomodado.
Pode não ser um amigo ou familiar.
Posso estar a vê-lo pela primeira vez.
Mas fico incomodado.
Aquela doença pertence-me.
Todas as doenças pertencem a toda a gente.
Todos os sofrimentos pertencem a toda a gente.
Todas as mortes pertencem um pouco a toda a gente.
Às vezes sinto isso muito,
outras vezes sinto menos.
Quando sinto menos posso preocupar-me com o mundo,
brincar com a poesia,
com a filosofia e com as palavras.
Mas quando sinto, deixo de conseguir pensar.
Quando sofro ou sinto o que alguém sofre, deixo mesmo
de querer ser inteligente.
Se estivermos cheios a sentir, não temos espaço para pensar.
Não fazem sentido as lógicas,
as filosofias,
as discussões.
Todo o nosso corpo sente.
E o que resta? Nada.
Só existe aquela morte, aquela doença, aquela velhice.
Só aquele pai que amo e está a envelhecer. Só aquela mãe
que amo e está a envelhecer.
Só aquele amigo que morreu num estúpido acidente.
Só aquele amigo que se tornou amargo
porque a mulher o deixou.
Só o amor e a falta de amor.
As mulheres que nos enganam e as mulheres que são enganadas,
as mulheres e os homens que enganam.
Os amigos que deixam de o ser,
alguns inimigos que morrem, e temos pena.
Que importa o resto?
Onde está o livro importante?
O filme que resolve?
Podemos chorar à frente de um quadro, mas não resolve nada.
Podemos pintar um quadro, escrever um poema, mostrar às
mulheres bonitas como somos bonitos, exibir o nosso corpo,
mas que adianta?
Estamos sozinhos.
Se não estamos, vamos estar.
Os amigos vão-nos deixando, vão-nos deixar.
Vão morrer ou nós vamos morrer.
Ou então deixam de nos telefonar, ou então deixamos de
lhes querer telefonar.
Estamos sozinhos. As pessoas que amo vão morrer.
Os livros não resolvem nada. A poesia é bonita e por vezes
descansa, acalma, mas não resolve nada, não resolve nada.
Somos artistas ou não somos, e qualquer coisa que seja não
adianta nada e nada impede.
Escrevemos poemas, mas não ajudam ninguém.
Escrevemos peças de teatro, sorrimos, tentamos pensar,
tentamos ter ideias, tentamos distrair as pessoas, tentamos
fazer pensar as pessoas, tentamos fazer chorar as pessoas, e
isso é bom, e até pode ser bonito, mas não adianta nada,
não resolve nada,
não adianta nada.
Gonçalo M. Tavares, O homem ou é tonto ou é mulher
quarta-feira, 2 de março de 2011
NUNO JÚDICE - A FONTE DA VIDA
Friso das Mulheres Azuis, Palácio de Cnossos
ENCANTAMENTO
Vi as mulheres azuis do equinócio
voarem como pássaros cegos; e os seus corpos
sem asas afogarem-se, devagar, nos lagos
vulcânicos. Os seus lábios vomitavam o fogo
que traziam de uma infância de magma
calcinado. A água ficava negra, à sua volta;
e os ramos das plantas submersas pelas chuvas
primaveris abraçavam-nas, puxando-as num
estertor de imagens. Tapei-as com o cobertor
do verso; estendi-as na areia grossa
da margem, vendo as cobras de água fugirem
por entre os canaviais. Espreitei-lhes
o sexo por onde escorria o líquido branco
de um início. Pude dizer-lhes que as amava,
abraçando-as, como se estivessem vivas; e
ouvi um restolhar de crianças por entre
os arbustos, repetindo-me as frases com uma
entoação de riso. Onde estão essas mulheres?
Em que leito de rio dormem os seus corpos,
que os meus dedos procuram num gesto
vago de inquietação? Navego contra a corrente;
procuro a fonte, o silêncio frio de uma génese.
Nuno Júdice, A Fonte da Vida
sábado, 29 de janeiro de 2011
QUANDO - SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
MARGARIDA VALE DE GATO - MULHER AO MAR
Declaração de Intenções
Para aqueles que insistem diluir
isto que escrevo aquilo que eu vivo
é mesmo assim, embora aluda aqui
a requintes que com rigor esquivo.
À língua deito lume, o que invoco
te chama e chama além de ti, mas versos
são uma disciplina que macera
o corpo e exaspera quanto toco.
Fazer poesia é árido cilício,
mesmo que ateie o sangue, apenas pus
se extrai, nem nunca pela escrita
um sólido balança, ou se levita.
Então sobre o poema, o artifício,
a borra baça, a mim a extrema luz.
Margarida Vale de Gato, Mulher ao Mar
Para aqueles que insistem diluir
isto que escrevo aquilo que eu vivo
é mesmo assim, embora aluda aqui
a requintes que com rigor esquivo.
À língua deito lume, o que invoco
te chama e chama além de ti, mas versos
são uma disciplina que macera
o corpo e exaspera quanto toco.
Fazer poesia é árido cilício,
mesmo que ateie o sangue, apenas pus
se extrai, nem nunca pela escrita
um sólido balança, ou se levita.
Então sobre o poema, o artifício,
a borra baça, a mim a extrema luz.
Margarida Vale de Gato, Mulher ao Mar
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
FEDERICO GARCIA LORCA
Fabian Perez, Study for Flamenco
Esta noite de Verão não é igual às outras porque tu chegaste, linda amiga, e sei que trouxeste o Longe contigo...Recebo-te muito feliz com alguns belíssimos versos que poderás dizer, morena e outra, ao ouvido do teu amor (mesmo que ele já durma), lembrando Granada e o Flamenco que se alojou no teu corpo e, tenho a certeza, permanecerá neste Setembro.
Y yo mientras iré dentro
De tu cuerpo dulce y débil,
Siendo yo, mujer, tú misma,
Y estando en ti para siempre,
Mientras tú en vano me buscas
Desde el Oriente a Occidente,
Hasta que al fin nos quemará
La llama gris de la muerte.
quarta-feira, 5 de maio de 2010
LIVRE ARBÍTRIO - TIAGO ARAÚJO

“escrevo esta carta no início do verão, uma mão litoral no cabelo enquanto hesito. o automóvel está estacionado à porta de casa, o resto a caminho do sul. no final hão-de restar apenas as estrias de sal sobre o dorso, a interpretação desses mapas.”
p. 42
O LUGAR DO MORTO
ao teu lado, no lugar do morto, enquanto
conduzes a conversa a uma frase sem
preparação. chegámos tarde à praia,
como a quase tudo. o vento levanta o
pó do parque de estacionamento e não
saímos do carro. não sei a resposta certa
e por isso represento mal o meu papel secundário.
limito-me a ficar em silêncio, onde
sempre me senti mais confortável.
um lugar sombrio, discreto, abrigado
e ainda assim, segundo dizem, o mais perigoso
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