sábado, 9 de abril de 2011

CONTOS QUE FICAM

Um livro de contos que vale a pena ler, com especial destaque para o originalíssimo e impressionante conto que dá o título ao livro, Pássaros na Boca, escrito por uma escritora muito nova, Samantha Schweblin, com apenas 33 anos, considerada por El Mundo “uma das vozes mais potentes da nova narrativa argentina”. Para muitos, promete, pela singularidade da sua escrita, ser a  herdeira directa dos maiores contistas argentinos do século XX, como Borges, Bioy Casares ou Cortázar.
Um excerto deste conto inquietante: Pássaros na Boca:
«(…) Sílvia voltou com uma caixa de sapatos. Trazia-a direita, com ambas as mãos, como se se tratasse de algo delicado. Foi até à gaiola, abriu-a, tirou da caixa um pardal muito pequeno, do tamanho de uma bola de golfe, meteu-o dentro da gaiola e fechou-a. Atirou a caixa ao chão e afastou-a com um pontapé, para junto de outras nove ou dez caixas semelhantes que e iam acumulando debaixo da secretária. Então Sara levantou-se, o seu rabo-de-cavalo brilhou de um e outro lado da nuca, e foi até à gaiola dando, pelo caminho, um salto, como fazem as meninas com menos cinco anos do que ela. De costas para nós, pondo-se em bicos de pés, abriu a gaiola e tirou o pássaro. Não consegui ver o que fez. O pássaro guinchou e ela esforçou-se um momento, talvez porque o pássaro tentava escapar. Sílvia tapou a boca com a mão. Quando Sara se virou para nós, o pássaro já lá não estava. Tinha a boca, o nariz, o queixo e ambas as mãos cheias de sangue. Sorriu envergonhada, a sua boca gigante arqueou-se e abriu-se, e os seus dentes encarnados obrigaram-me a levantar-me de um salto. Corri para a casa de banho, fechei-me à chave e vomitei na retrete. Pensei que Sílvia me seguiria e começaria a despejar culpas e ordens do outro lado da porta, mas não o fez. Lavei a boca e a cara, e fiquei à escuta diante do espelho. (…)»

Samanta Schweblin, Pássaros na Boca, Cavalo de Ferro, pp.41, 42

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