segunda-feira, 11 de abril de 2011

DON DELILLO - PONTO ÓMEGA

«No deserto do Arizona. Um jovem realizador obcecado com uma ideia para um filme: um único plano-sequência, uma única personagem. Frente à câmara e encostado à parede («como num assalto ou num fuzilamento»), está Richard Elster, um intelectual que, ao serviço do Pentágono, traçou a cartografia conceptual da Guerra do Iraque («eu queria uma guerra em haiku… uma guerra em três versos»). Quando a filha de Elster entra em cena, o fio da conversa filosófica dos dois homens é abruptamente cortado e a dinâmica da história conhece uma dramática inflexão.»
(Contracapa)

Neste romance conseguimos ver uma autêntica radiografia da alma humana ao mesmo tempo que a construção de uma história invulgar, com apenas três personagens, também elas fortemente invulgares (talvez pela sua pureza ou estado humano bruto).
A linguagem ganha as cores da realidade pois é maximamente depurada, apontando de igual forma para os contornos e para o centro de tudo. Reiterando a opinião assinada por The Times são admiráveis   os "vislumbres de uma beleza despojada" que o romance nos concede através desta longa meditação sobre as ambições humanas, sobre um tempo de retiro num deserto assustadoramente só, num espaço que lembra a eternidade. Elster e o narrador são verdadeiramente humanos na descrição das singulairdades que sobre si nos fazem saber (são os fármacos que Elster guarda num armário velho da casa de banho, são as peles roídas dos seus dedos que ajudam a defini-lo, a construí-lo tão humanamente assustador). Impressionou-me o sentimento de perda (do pai, Elster, para com a sua filha, Jessie) e a fantástica abertura e fecho do romance, que se confundem na descrição das imagens de um filme projectado numa velocidade afrouxada, do princípio ao fim, até alcançar a duração de vinte e quatro horas consecutivas. "Um filme em estado puro, tempo em estado puro" como nos diz o narrador. Um livro de literatura autêntica que transborda de sabedoria. Um livro para se ler muito devagar, muito para além das mesmas 24 horas que o filme que vemos logo nas páginas iniciais demora a passar em câmara lenta, com a inteireza da essência de tudo. Para saborear com lentidão.

Um excerto:
«Certa vez, eu olhara  para dentro do armário dos medicamentos na casa de banho dele. Não precisei de abrir a porta do armário, já que não havia porta. Fiadas de frascos, tubos, embalagens de comprimidos, quase três prateleiras repletas, e mais alguns frascos, um deles aberto, sobre a tampa do autoclismo, e vários folhetos inclusos espalhados sobre um banco, desdobrados, exibindo avisos escritos em pequenos caracteres a negrito.
- Não são os meus livros, nem as minhas conferências, nem as minhas conversas, nada disso. É o raio do espigão, é a pele morta, é aí que eu estou, a minha vida, de então até cá. Falo durante o sono,, sempre falei, a minha mãe dizia-mo em pequeno e não preciso de que ninguém mo diga agora, eu sei-o, ouço-me, e isto é o mais significativo, alguém devia fazer um estudo do que as pessoas diem enquanto dormem, e provavelmente alguém já o fez, um paralinguista qualquer, porque é mais relevante do que as ilhentas cartas particulaes que um homem escreve ao longo da sua vida e é também literatura.
Nem tudo eram medicamentos receitados pelo médico, mas a maior parte era-o, e tudo aquilo era Elster.»

Don DeLillo, Ponto Ómega, Sextante Editora

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