segunda-feira, 21 de junho de 2010

«Não há nada fora do texto»
Jacques Derrida

O texto é ou não é, dependendo da sua desconstrução. Adoro ouvir as diferentes interpretações de um mesmo texto...como gostaria de participar na desconstrução de uma pessoa, para lhe retirar a essência do nosso ser... Com isto não quero dizer que gostaria de destruir o texto ou a pessoa, mas antes desmontá-los, para obter o leque de componentes e significados possíveis que fazem deles outros textos, diversas pessoas, e ainda outros, e ainda mais outros e outros e outros... Desfiar uma toalha de renda para apreciar, no final, o fio que a fez tão delicada, tão gravemente branca, tão bela e única... E desse fio, desfiar outros finíssimos, quase imperceptíveis, quase cabelos, quase nada.

É banal, por exemplo, fazermos isto com as cartas de amor, em plena adolescência. Dar a ler um texto impregnado de amor e de intenções incertas, numa folha de carta colorida e com cheirinho a perfume, à melhor ou às melhores amigas é um meio de acumulação de auto-estima e de verificação de uma verdade dificilmente demonstrável doutro modo - pelo menos para os outros ...
É uma certificação ou, pelo contrário, um debilitar da possibilidade da paixão do outro por nós próprios. Tudo isso se encontra no texto daquela carta que nos escreveu fulano ou fulana tal. Então, para que o texto seja inteiro, há que seguir o postulado de Derrida e convocar não uma nem duas nem três nem quatro mas muitas amigas, de várias idades, provenientes de vários espaços geográficos, culturais e políticos (de preferência) para obter "n" interpretações das palavras que nos interessam tanto. Talvez seja até mais cauteloso convocar dois ou três inimigos para estudar todas as possibilidades semânticas da subjectiva linguística amorosa, por mais que nos custe muito. Tudo por causa de frases, por exemplo, como estas: " Nem sei o que sinto quando estás por perto. Sinto e não sinto como expiro e inspiro e continuo sem saber em qual dos momentos sou mais inteiro. "
Cada intérprete daria o seu parecer sem ouvir o dos outros, colocaria as suas palavras num outro papel, branco para não suscitar o delírio do escrevente, e remetê-lo-ia, para um marco de correio construído somente para esse efeito. Um marco que, quando aberto, entornasse todos as propostas de interpretação com uma onda de calor que impedisse qualquer possibilidade de desilusão precoce. Com a noção de que não há nada fora do texto, podemo-nos sempre iludir com a operação da desconstrução dos enunciados até deparar com a milésima sílaba, a mais remota letra que assegura afinal o amor.

1 comentário:

Anabela disse...

Doçura

escreves tão bem que du por mim ficar completamente extasiada a ler-te...sem me interessar verdadeiramente qual o assunto que abordas porque seja qual for impregnas o leitor com as tuas palavras...
Desconstruir para construir... ora aí está um tema que muito tempo nos levaria a dissecar...
muitos bjs