sábado, 19 de março de 2011

A MÁQUINA DE JOSEPH WALSER - GONÇALO M. TAVARES

Deliciosa a leitura deste romance que pertence à colecção de livros pretos, à tetralogia do Reino. A personagem anunciada no título, Joseph Walser, prende a nossa atenção desde o início e leva-nos a querer fortemente entendê-lo a si e à relação estranha (de pura amizade) que mantém com a perigosa máquina com que trabalha diariamente. A relação do Homem com a Tecnologia está aqui retratada  de um modo extremamente original e com uma autenticidade tal que chega a espantar-nos, a fazer-nos estremecer como quando, em certa passagem, o narrador alude, com exemplaridade, ao facto de que «Ser feliz já não depende de coisas que vulgarmente associamos à palavra Espírito. Depende de matérias concretas. A felicidade humana é um mecanismo.»

Dois Excertos:
«-Veja esta fábrica: estamos perante o espanto sobrenatural. Tudo é tão estupidamente previsível nestas máquinas que se torna surpreendente ; é o grande espanto do século, a grande surpresa: conseguimos fazer acontecer exactamente o que queremos que aconteça. Tornámos redundante o futuro, e aqui reside o perigo.
SE a felicidade individual depende destes mecanismos e se torna também previsível, a existência será redundante e desnecessária: não haverá expectativas, luta ou pressentimentos.
Fala-se em máquinas de guerra, mas nenhuma máquina é pacífica, Walser. (...)

Dada a natureza do seu trabalho e da máquina perigosa com que contactava, Joseph Walser não precisava de maior intensidade na vida. A chegada da guerra e a invasão da cidade foram encaradas por ele como acontecimentos quase enfadonhos. A eclosão da guerra foi recebida como se não fosse uma novidade, mas uma repetição. A sensação de continuidade no tempo era para Walser algo, de facto, indestrutível, apesar dos novos barulhos que surgiam do céu, anunciando máquinas e ódios aéreos. O tempo de paz continua para o tempo de guerra e este tempo continuará mais tarde para outro tempo de paz. E nada é interrompido. Nada de fundamental. O indivíduo não se interropmpia na guerra, não havia tempos de interrupção: é sempre o Homem, não há um segundo Homem, há apenas um, o primeiro; e é esse - que é o mesmo de séculos atrás, e será o mesmo no futuro -, é esse que tudo atravessa com enfado, até a guerra. Monotonia e desinteresse.
A existência humana, o seu essencial, não se deslocara um centímetro, trinta séculos depois de três mil conflitos. Se queres deslocar a existência é evidente que não o conseguirás, com a guerra, ouvira Walser do encarregado Klober.
Mas nem a paz modificará o Homem, claro. Os dados há muito que foram lançados.»

Gonçalo M. Tavares, A Máquina de Joseph Walser


1 comentário:

Anabela disse...

...seráa minha próxima leitura amiguinha....:)))))