segunda-feira, 26 de abril de 2010

NANIÔNA - UMA E DUAS - MÁRIO CESARINY (1960)

Acordar com o rosto em flor é um segredo desmedido que só a algumas mulheres tem invariavelmente acontecido.
Ontem, por exemplo, foi num arrepio de desejo de água fresca que sustive precisamente as palavras "água fresca, por favor". Repentinamente, não tive mão nem boca para chamar alguém que certamente, por me amar, me apagaria a sede de uma noite mal dormida, em que, embevecida, sonhava que habitava um jardim, onde todas as amigas eram flores de deleitar. O perfume, esse vinha de debaixo da almofada e parecia indicar com um odor magnânimo, um trajecto nocturno como um mar, com ondas esculturais e escorregadias, sobre as quais os pés se afundavam em temor e nunca mais sabiam caminhar sem raízes volúveis, próprias das flores marinhas.
Quando dei por mim, nesse jardim sonhado, deixei de ver, deixei de ouvir para apenas converter todas as cinco sensações numa vontade imensa de estar ao sol e à chuva intermitentemente, até ao fim da minha vida. Havia nesse desgaste de contrastes térmicos, na espera de alguém que dali me levasse nos braços, num ramalhete enlaçado, unida a tantas outras flores com odores diferentes, uma beleza que também unia todas as horas numa só hora.

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