segunda-feira, 19 de abril de 2010

O PÁTIO MALDITO - IVO ANDRIC


Aproveito a Biblioteca de Gonçalo M. Tavares que passo a transcrever com palavras a propósito de Ivo Andric que motivaram a leutura deste romance:

Dança

Numa festa, uma mulher descalça-se e dança.
Na mesma festa, um homem curva-se e faz o gesto da cruz três vezes antes de se levantar de novo. Mas quem está atento percebe que quem se baixou tão religiosamente, benzeu-se três vezes de forma a dar tempo para espreitar por d......eba...ixo de uma saia demasiado escandalosa e desatenta.
Três vezes abençoou-se aquele, mas os outros, os que vieram a seguir, abençoaram-se sete e oito e mesmo nove vezes, exactamente no mesmo ponto de vigia da saia desavergonhada.
Estava a ser uma festa muitíssimo interessante, até que um homem enorme decidiu, devido à sua inabilidade, ocupar toda a pista de dança. Em poucos minutos, o gigante desproporcionado ficou a dançar sozinho e os músicos só não pararam de tocar por compaixão.
Não era música, era piedade.


Sobre o Pátio Maldito

Frei Petar, monge bósnio cristão, é preso por engano e encarcerado na prisão de pior reputação duma Istambul, então Constantinopla, capital do Império Otomano: "O pátio maldito". Nesta, cruzam-se assassinos, violadores, assaltantes, conspiradores, mas também inocentes e falsos acusados de todas as classes e religiões, cada qual com um percurso, uma história e várias mentiras.
No "pátio maldito", o frade vai conhecendo as histórias dos seus companheiros de infortúnio. A sua voz vai-se diluíndo nos muitos relatos dos outros prisioneiros até desaparecer entre as diversas histórias que ouve, as mentiras que cada um inventa e as diferentes noções de justiça e de realidade... Entre ódios e recordações vão-se misturando presente e passado, realidade e ficção, numa história de histórias.
Uma notável metáfora sobre a harmonia entre os homens em condições adversas. Andric descreve os processos pelos quais a História se entranha na vida dos indivíduos e neles se reflete, num eterno jogo entre o particular e o universal, ao mesmo tempo que põe a nu a raiz dos conflitos que têm assolado os Balcãs ao longo dos séculos.

por Livrarias Almedina

Este livro considerado a obra prima de Ivo Andric, único prémio nobel jugoslavo, é uma notável metáfora sobre a harmonia entre os homens em condições adversas. No estilo que o celebrizou, Andric descreve os processos pelos quais a História se entranha na vida dos individuos e neles se reflecte, num eterno jogo entre o particular e o universal, ao mesmo tempo que põe a nu a raiz dos conflitos que tem assolado os Balcãs ao longo dos séculos.

http://www.cavalodeferro.com/

Um pequeno excerto do romance em que nos é apresentada uma personagem singular, um judeu de Smirna, que falava de tudo e de todos com uma perícia descomunal, atraindo por isso a atenção de Frei Petar na sua cela:

"Era um desses homens que passam toda a vida a travar uma luta sem esperança e perdida de antemão contra as pessoas e a sociedade onde vivem. Na sua paixão por tudo dizer e tudo explicar, de pôr a nu todos os defeitos e todos os malefícios dos homens, de denunciar os maus e render tributo aos bons, ele ia muito além do que um homem comum e são podia ver e saber.
Cenas que se desenrolaram entre duas pessoas, sem testemunhas,ele sabia contá-las até aos mais pequenos e inacreditáveis pormenores. E não só descrevia os homens de que falava, como penetrava nos seus pensamentos e desejos, e frequentemente naqueles mais recônditos , de que eles próprios não tinham consciência, mas que ele conseguia descobrir. Metia-se na pele deles. Tinha o estranho dom de imitar, com uma mínima mudança de voz, o modo de falar dos personagens da sua história e de encarnar ora um governante, ora um mendigo, ora uma bela grega; com leves movimentos do corpo, ou apenas dos músculos do rosto, era capaz de fazer a mímica perfeita do andar e do comportamento de um homem, da marcha dos animais ou mesmo do aspecto dos objectos inanimados.
Deste modo, cok muita vivacidade e muito detalhe, Haim falava das grandes e ricas famílias judias, gregas, e mesmo das famílias turcas de Smirna, alargando-se sempre em torno de acontecimentos e casos importantes. E cada uma destas histórias encerrava-as com alguma exclamação, quase um grito: « Eh! Hã?» o que mais ou menos significava: « Isto é o que temos! E o que significa a pobre da minha vida e o meu triste caso ao lado dessa gente e dos seus emaranhados destinos!»
E terminando uma história, começava logo outra. Nunca mais acabava.
(Os homens, uns mais que outros, tendem sempre a condenar os que falam muito, principalmente de coisas que não lhes dizem directamente respeito, chamando-lhes, até com desprezo, tagarelas e fala-baratos. E assim fazendo, não nos damos conta de que esse defeito humano, humaníssimo mesmo, e tão frequente, tem também o seu lado bom. Pois, o que saberíamos nós das almas e dos pensamentos alheios, dos outros homens e por consequência de nós próprios, de outros meios e de outras terras que nunca vimos nem jamais teremos oportunidade de ver, se não houvesse gente assim, com necessidade de dar a cohecer oralmente ou por escrito o que viram ou ouviram e o que em torno disso sentiram e pensaram? Pouco, muito pouco. E por mais que as suas histórias sejam imperfeitas, temperadas pela paixão e pelas necessidades pessoais, ou até mesmo inexactas, temos sempre a razão e a experiência para podermos julgá-las e compará-las umas com as outras, aceitá-las ou rejeitá-las, no todo ou parcialmente. Assim, sempre se salvará alguma coisa de verdade humana para aqueles que com paciência escutam ou lêem.)"
Ivo Andric, O Pátio Maldito, Cavalo de Ferro, pp. 45, 46





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