O maior dos pintores surrealistas belgas tem finalmente um museu, em Bruxelas. São mais de 250 obras e documentos que mostram como Magritte passou a vida a subverter a realidade. Estão lá os pássaros-céu, as mulheres enigmáticas, os cartazes elegantes que anunciam tardes de tango
O Museu Magritte, o mais recente pólo do Museu de Belas-Artes da Bélgica, na Place Royale, em Bruxelas, tem apenas dois meses, mas é já apresentado como um caso de sucesso, com os seus 75 mil visitantes.Para Virginie Devillez, directora de projecto deste museu que nasceu em 2005 na cabeça de Michel Draguet, director do Museu de Belas-Artes, e de Charly Hersovici, presidente da Fundação Magritte, e que começou a ser montado três anos mais tarde, o êxito não é surpreendente. "Bruxelas é uma cidade pequena, mas com pessoas de toda a Europa, com um nível cultural elevado", explica ao P2 por telefone. Muitas dessas pessoas estão habituadas à obra de René Magritte (1898-1967) - em livros e catálogos, na publicidade e no cinema - e algumas até já tiveram oportunidade de estar frente a uma das suas obras, em museus europeus ou americanos, mas "não querem perder a oportunidade de ver tantos quadros juntos de um dos pintores mais reproduzidos do mundo".O novo Museu Magritte tem a maior colecção de obras do pintor surrealista belga. São 250 pinturas, esculturas, desenhos, posters, fotografias e outros documentos, incluindo dezenas de manuscritos e até pautas ilustradas, distribuídos por três níveis de exposição (ao todo são 2500 metros quadrados), segundo um programa que procurou aliar a organização temática à cronológica, apostando na componente cenográfica, inspirada na obra do próprio pintor.
O Museu Magritte, o mais recente pólo do Museu de Belas-Artes da Bélgica, na Place Royale, em Bruxelas, tem apenas dois meses, mas é já apresentado como um caso de sucesso, com os seus 75 mil visitantes.Para Virginie Devillez, directora de projecto deste museu que nasceu em 2005 na cabeça de Michel Draguet, director do Museu de Belas-Artes, e de Charly Hersovici, presidente da Fundação Magritte, e que começou a ser montado três anos mais tarde, o êxito não é surpreendente. "Bruxelas é uma cidade pequena, mas com pessoas de toda a Europa, com um nível cultural elevado", explica ao P2 por telefone. Muitas dessas pessoas estão habituadas à obra de René Magritte (1898-1967) - em livros e catálogos, na publicidade e no cinema - e algumas até já tiveram oportunidade de estar frente a uma das suas obras, em museus europeus ou americanos, mas "não querem perder a oportunidade de ver tantos quadros juntos de um dos pintores mais reproduzidos do mundo".O novo Museu Magritte tem a maior colecção de obras do pintor surrealista belga. São 250 pinturas, esculturas, desenhos, posters, fotografias e outros documentos, incluindo dezenas de manuscritos e até pautas ilustradas, distribuídos por três níveis de exposição (ao todo são 2500 metros quadrados), segundo um programa que procurou aliar a organização temática à cronológica, apostando na componente cenográfica, inspirada na obra do próprio pintor.
Magritte nasceu no Sul da Bélgica, em 1898, numa família de baixos recursos, com um pai alfaiate e uma mãe modista de chapéus. Por natureza calado e tímido, Magritte e os seus dois irmãos mudaram frequentemente de casa com os pais, que procuravam dar-lhes uma vida melhor. Adeline, a mãe, preocupava-se com a educação dos seus três rapazes, mas cedo deixou de os acompanhar - suicidou-se quando Magritte era ainda um adolescente (teria 13 ou 14 anos, os dados divergem). As memórias mais fortes desses primeiros anos, haveria de contar mais tarde, diziam respeito a uma caixa cheia de objectos que ficava sempre junto ao seu berço, a um balão de ar quente pousado no telhado da sua casa, e ao rosto da mãe coberto por um pano quando retiraram o seu corpo do rio (há quem veja uma relação evidente entre este momento e quadros como Os Amantes, de 1928). É a pintar que Magritte se sente livre. Começara a estudar pintura em 1910, em Châtelet, e continuara, três anos mais tarde, em Charleroi, quando já começava a ser evidente o poder que tinham sobre ele as aventuras de Fântomas, as viagens de Robert Louis Stevenson e o universo literário de Edgar Allan Poe. Já andava na Academia de Belas-Artes há mais de dois anos quando decidiu fazer os primeiros quadros, inicialmente cubistas, depois futuristas. Começa a dar-se com alguns pintores e poetas, entre os quais E.L.T. Mesens, marca duradoura na sua vida e no seu trabalho, tal como Marcel Leconte. Enquanto estuda e anda pelos cafés de Bruxelas, em tertúlias e discussões políticas (aderiu duas vezes ao Partido Comunista, para o qual chegou a desenhar cartazes, que nunca foram aceites), Magritte vai formando o seu imaginário, em que a realidade aparece invertida.
"Quer mostrar o mistério da vida", explica Devillez, "mas só para provar que ela é estranha e importante."
Na fachada de um dos cafés que Magritte e o seu grupo frequentavam - La Fleur en Papier Doré, na Rue des Alexiens - brinca-se com a histórica ligação do maior dos surrealistas belgas (é assim que é descrito) àquele pequeno espaço que ainda mantém a decoração original, com a sua lareira rude e velhas molduras nas paredes amareladas, cobertas de colagens e de frases encorajadoras: "Todo o homem tem direito a 24 horas de liberdade por dia.""Isto não é um museu: aqui consome-se...", diz a parede exterior, que fica colada à da florista. Há ruas e praças do centro da cidade, como as do bairro de Le Sablon, em que o pintor do chapéu de coco - imagem de marca de Magritte (lembram-se do quadro Le Fils de L'Homme, de 1964, que aparece no filme O Caso Tomas Crown?) - se instalou na montra de livrarias, lojas de chocolate e clubes de xadrez, paixão que o autor de L'Oiseau de Ciel (1966, símbolo da companhia aérea Sabena) partilhava com Man Ray e Marcel Duchamp. Mas havia paixões que Magritte não partilhava.Georgette, sempre Georgette. Ela está por todo o lado. Nos quadros, nas fotografias, nas cartas e nos poemas. Mesmo quando não temos a certeza de que é a ela que Magritte se refere, Georgette está lá, com os olhos grandes, claros, entrando nas sessões fotográficas do marido - com um cachimbo sobre a cabeça pousada na areia ou enrolada num lençol branco amarrotado, divertida - ou como destinatária invisível de uma mensagem, de um esboço.
"No museu há um lindo poema de amor, que provavelmente seria para Georgette, mas não temos certeza", lembra a directora do projecto. A meio do papel amarelecido, escrito à mão, pode ler-se: "Tenho o coração desta mulher. (...) A dois, o nosso poder serve-nos para inventar um empreendimento surpreendente...""Magritte era louco por ela, isso sabemos. Há uma carta de 1922 em que admite que não consegue trabalhar por estar demasiado apaixonado. Não consegue pensar em mais nada."
Magritte e Georgette conheceram-se em 1913, escreve Marcel Paquet em René Magritte: O Pensamento Tornado Visível. Ele tinha 15 anos e ela não chegara ainda aos 13. Foi nesse dia, em Charleroi, que andaram pela primeira vez de carrossel (não sabemos se René se atreveu a segurar-lhe na mão). Reencontraram-se em 1920, no Jardim Botânico de Bruxelas, e nunca mais se separaram - Georgette passou a ser o seu modelo e, dois anos mais tarde, também sua mulher."Estavam sempre juntos", diz Devillez. "Passamos horas a ler os documentos e chegamos à conclusão de que eles não viviam um sem o outro. Parece um filme. Magritte faz-lhe as vontades, muda de casa porque ela quer um jardim, muda de país porque ela se sente sozinha [foi assim durante a Segunda Guerra Mundial, quando troca o Sul de França por Bruxelas, onde ela ficara]..." Aparentemente, o pintor não tinha dúvidas de que valia a pena. "Feliz aquele que atraiçoa as suas convicções pelo amor de uma mulher", escreve.
Profundamente influenciado pela obra de De Chirico - outro dos grandes do surrealismo -, Magritte desenvolve um universo muito singular, opondo-se por vezes às directrizes da "escola" francesa, liderada pelo poeta André Breton, com quem mantém uma tensa relação de amizade, desde 1927, quando o belga se muda para Paris e os dois partilham horas de trabalho e boémia com o pintor Marcel Duchamp e outro poeta, Paul Éluard. Nos três anos parisienses do casal Magritte, o pintor torna-se mais livre. Graças a um contrato com uma galeria tem um ordenado e não precisa de perder tempo a trabalhar em publicidade.
"Aqui consolida-se a sua forma de pensar a pintura. O que lhe interessa nela não é a técnica, mas a poesia", explica Devillez. "Magritte não é um espontâneo. Quando começa a pintar, sempre muito lentamente, tem o quadro todo na cabeça, sabe exactamente que tipo de reacção procura do observador." É um "criador de mistérios" que dizia muitas vezes que pintar era cansativo porque implicava pensar de mais.
1 comentário:
Adorei a notícia sobre o museu e Magritte. Cá em casa gostamos muito dele. Tenho duas reproduções feitas pelo Paulinho (esplêndidas cópias!) de Magritte. "Os Amantes", numa das paredes do meu quarto,e "O Incêndio" no escritório (sempre com medo que se pegue aos livros!).É um óptimo pintor para explicar o Surrealismo na literatura e ainda para mais adorava poesia. A história da sua vida é encantadora. Obrigada minha linda amiga pelo teu cuidado e prazer em me mostrares "o criador de mistérios".
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