terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Acerca de Estar Doente - Virginia Woolf

Virginia Woolf, Vanessa Bell

Passo a transcrever uma das frases de maior fôlego de toda a literatura de que tenho memória, carregada de complexidade e genialidade, que aparece no início do ensaio de Virginia Woolf - esta escritora que tanto admiro e nunca me canso de ler- intitulado "Acerca de estar doente". Como vejo verdade no que ela diz e na sua hipocondria, semelhante em tudo à minha...
Para além disto adoro frases assim tão longas e tão perfeitamente compreensíveis (esta tem 166 palavras!) que parecem mesmo auto-representarem-se em forma de diagrama. Gertrude Stein (poeta e feminista genial!) escreveu, um dia: " Não conheço realmente nada mais excitante do que fazer diagramas de frases." Escusado será dizer que quando encontrei este parecer, me rendi aos encantos da frase longa e elegante em que podemos avaliar cada palavra à luz da secreta modificação que cada frase incute no nome, no prazer da descoberta dos antecedentes concretos de cada uma das suas inúmeras orações... o desenho do mapa de um tesouro.

"Considerando como a doença é comum, como é tremenda a mudança espiritual que traz, como é espantoso quando as luzes da saúde se apagam, as regiões por descobrir que se revelam, que extensões desoladas e desertos da alma uma ligeira gripe nos faz ver, que precipícios e relvados pontilhados de flores brilhantes uma pequena subida de temperatura expõe, que antigos e rijos carvalhos são desenraizados em nós pela acção da doença, como nos afundamos no poço da morte e sentimos as águas da aniquilação fecharem-se acima da cabeça e acordamos julgando estar na presença de anjos e harpas quando tiramos um dente, vimos à superfície na cadeira do dentista e confundimos o seu «bocheche... bocheche» com saudação da divindade debruçada no chão do céu para nos dar as boas-vindas - quando pensamos nisto, como tantas vezes somos forçados a pensar, torna-se realmente estranho que a doença não tenha arranjado um lugar, juntamente com o amor, as batalhas e o ciúme, por entre os principais temas da literatura."



Virginia Woolf

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