De cada vez que a página se virava sem mão, as duas mulheres pasmadas com o mistério vivo, aproximavam-se mais e mais dela até poderem tocar as palavras que se contavam numa voz enflautada. Contavam-se na história da eternidade conquistada por duas amigas que, num fim de tarde, presas no tráfego cinzento de uma cidade confusa de solidão humana, liam em coro sucessivos poemas. Sem se darem conta, tombaram para dentro do livro que inclinavam abruptamente sobre o volante muito negro, muito frio. Nessa queda, esmurraram os joelhos na palavra terra e ao tentarem levantar-se agarrando as mãos de algumas letras, transformaram-se elas próprias em tinta, desaparecendo para sempre num traço fino e arqueado, que mais parecia uma larva à espera de qualquer metamorfose. Essa página do livro tornou-se incorruptível. Nem a água nem o fogo conseguiram alguma vez destrui-la. E as duas mulheres, temendo-a e desejando-a como a um vinho, passaram também elas a ler em coro, fechadas num quarto em que ninguém as podia ouvir, esse poema que acreditavam ser mais do que um poema, até se tornarem elas próprias histórias desse canto que nunca ninguém mais ouviu.
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1 comentário:
Minha grande amiga
Senti toda a emoção daquela terça-feira, fim de tarde... senti as nossas forças desviadas de um qualquer trânsito insuportável da cidade invicta...senti o poder do poema de Herberto Helder que me relias em constantes repetições (a meu pedido, intrépida ouvinte!)...
O texto deixou-me até arrepiada...pois senti-me lá, e aprecebi-me de como o tempoo é estranho e parece passar mais depressa quando estamos com alguém de quem gostamos muito! Acho que o tempo é provocador e encurta-se, encurva-se... para assim nos provocar!
Ao ler-te doce amiga, senti tanta coisa que a minha inabilidade não me permite escrever... sei que és minha amiga e sei que tu és a melhor das amigas... e isso basta-me!
Obrigada pelo carinho doce e pelas palavras tão mágicas, tão repletas de sabores e fotografias que registaremos sempre....
Anabela
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