sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Sobre Boris Pasternak - Gonçalo M. Tavares


Foto Uma árvore não é assim tão branca (H.P. Ahnit Nof)



Hoje a Anabela entrou pela minha casa dentro em formato de jornal. Transformou a sua ternura e a beleza do seu pestanejar em cada edição do JL que quinzenalmente recebo, tão feliz, no espaço mais íntimo que tenho.Edito o texto da biblioteca dedicado nesta quinzena ao poeta russo e autor do imortal "Dr. Jivago", que achei mais uma manifestação da inteligência e sensibilidade invulgares de M. Tavares. Obrigada Anabela, pela felicidade que me trazes a toda a hora.

Sobre Boris Pasternak

De um lado, a neve. Do outro, a neve.
Podes partir para um lado ou para outro.
Encontrarás o mesmo.
Se ficares no mesmo sítio, só esperando alguns meses deixarás de ter neve. Se te mexeres, só esperando alguns meses deixarás de ter neve.
Que estranho, pensa ele.
Andando ou ficando parado: tens de esperar.


(Que lindo caminho que Gonçalo M. Tavares constrói para comunicar coisas tão simples como esta: há cicunstâncias em que o único remédio é aguardarmos por um dia melhor...A neve como elemento constrangedor da resolução humana e a perplexidade criada à volta do personagem, que todos nós somos, foram opções estupendas do autor para conseguir um texto, aparentemente redundante, porém essencialmente fascinante.Fico pasmada com o facto das frases serem reproduzidas pelo processo de repetição, ainda que partindo de expressões instauradores de contraste, de forma a causarem a mesma sensação de irresolução, de impotência que um nevão produz naquele que quer decidir-se pelo caminho melhor,quando todo ele é invencível. Boris Pasternak teve na realidade que esperar para ter reconhecimento no seu próprio país pois a obra Dr Jivago foi proibida na URSS por mostrar como se vivia o comunismo. O autor não pode, inclusive, receber o prémio nobel da literatura por razões políticas criadas pelo seu próprio país. Neve e mais neve que até se derreter - em 1989 com a queda do muro - o levou a ver passar como uma paisagem quase toda a sua vida.)


Deixo ainda um poema sublime de Boris Pasternak:


Também a vida é só um instante,
apenas um dissolver-se,
de nós mesmos nos outros,
Como um dom que se faz.

Apenas um rumor de bodas que,debaixo,
irrompe pelas janelas,
nada além de um canto, um sonho,
uma pomba azul-cinzentada.

2 comentários:

Anabela disse...

doce amiguinha
adoro as tuas reflexões e comentários! Adoro a agudeza e agilidade com que reinterpretas as palavras dos outros e reproduzes num discurso único e só teu as intenções do escritor!
Também eu cheguei a casa e recebi o JL e a minha tentação foi procurar o minúsculo texto de Gonçalo M. Tavares (que de minúsculo só tem o tamanho!).
Concordo com tudo o que disseste sobre o texto deste autor: também eu entendi que muitas vezes o melhor remédio é esperar. Quanto à neve eu interpretei-a de duas formas: por um lado Pasternak está inegavelmente ao frio e às neves que se grassam o país, por outro a neve apaga as marcas, inviabiliza a escolha de um caminho e aqui neste ponto acredito que estamos em sintonia pois também tu a entendeste como elemento constrangedor.
Apreciei ainda o poema que colocaste: um poema simples mas muito belo e que evoca a fragilidade humana e a nossa condição efémera... somos tão pouco e por tão pouco tempo...

muitos, muitos beijos... E sou eu que te agradeço o sol radioso com que entras no meu lar! É um prazer dizer-te "olá" , é um prazer ter-te e ter as tuas palavras a acalentar esta noite fria

Anabela

Anónimo disse...

Mil Olás para ti amiga, pois também eu adoro as tuas palavras e o modo como as agarras e as prendes nas alegrias da vida, propiciando a tudo uma completa combustão...Bjs (ainda estou um pouco fraca da tosse, só consigo dançar com as palavras...). Mts bjs

Patrícia