segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Ondjaki e Max Richter


Devaneio por entre a poesia de Ondjaki que sabiamente me ofereceste e acompanha essa minha leitura a música de Max Richter. Como pude estar cega durante tanto tempo? Como pude desconhecer este compositor? Obrigada amiguinha por não me manteres na ignorância!
Para ti, lindíssima amiga, uma música linda de Max R. a acompanhar a chuva que cai e o poema que teima em ficar... do meu Ondjaki...










SEM TRÉMULOS BARULHARES, A CHUVA


convidei uma chuva silenciosa
a fazer aparição num poema.

[tive que pedir licença ao assobiador. ele acedeu].
era uma chuva quase triste,
vivia consumida de se esvair.
"chego sem fazer barulho pra ninguém
se lembrar de me evitar".
era uma chuva quase bonita.
tinha muita tendência poética
-isto me parecia óbvio.
tinha também alguma incapacidade para entender
o desejo humano
de pisar um chão seco.
depois de o assobiador eixar aquela aldeia
calculei que ninguém mais fosse acariciar
aquela chuva.
era uma chuva carente
-isso me pareceu óbvio também.
lhe atribui este lar provisório
e logo se verá
o daqui pra frente.
isso me espanta nas coisas
que não pertencem ao foro das pessoas:
a chuva aceitou ficar.
vive actualmente
na leitura [mesmo que desatenta]
de um poema.

o barulhar dessa chuva
é uma espécie de pequena mentira.

dizem que as crianças lhe conseguem escutar.
dizem que os gambozinos lhe pressentem
e nela, por vezes,
se deixam vislumbrar.

dizem.


Ondjaki, Materias para confecção de um espanador de tristezas

1 comentário:

Leitoras SOS disse...

Adorei este post. O vídeoclipe e a música são tão lindos como tristes e ambos parecem arrastar verdades...Adorei a associação que fizeste ao poema em que, "dizem", a criança ouve o barulhar da chuva...adoro a poesia deste tão novo poeta (como é possível, tão novo, tão espelho de tudo...tão comunicante, tão sensível nas associações, no sublimar da sua língua africana que a minha incredulidade se torna, logo, felicidade...Obrigada Ana Bela Ana por me trazeres poesia.