quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

AS MAGIAS - HERBERTO HELDER

Na colecção Gato Maltês (que adoro), da Assírio & Alvim,  os "poemas mudados para português" que Herberto Helder intitulou As Magias, comprovam esse êxtase pré-anunciado. Cheiro-lhes um primitivismo poético que parece fazer-me encontrar em cada verso, em cada palavra, a sua feroz origem  na literatura. Leio, aqui, a poesia como um caminho para o início de tudo e de todos os povos. A palavra poética, mesmo solitária ou imperceptível, é uma magia que nos faz chegar a tudo. É uma teoria contra o mal porém que muitas vezes também o atrai. É a transmutação do ser primitivo no homem e na mulher que somos. É  o tempo infinito materializado num objecto que podemos tocar e dizer.
Passo-te, agora, palavras de outra sobre este mesmo livro:

«No segundo livro de versões – As Magias – Herberto Helder inclui não só textos anónimos, mas também textos de autores conhecidos na história das literaturas – alguns escolheram, como ele, sair da Europa, viveram em países como o Brasil ou o México, e a sua escrita revela também traços dessas tradições primitivas. É o caso de D.H.Lawrence e de Henri Michaux.»

Maria Etelvina Santos

E agora um poema, inteiro, deste livro de poesia que é poesia:
O Coração
(Stephen Crane)

No deserto,
vi uma criatura nua, brutal,
que de cócoras na terra
tinha o seu próprio coração
nas mãos e comia...
Disse-lhe: «É bom, amigo?»
«É amargo - respondeu -,
amargo, mas gosto
porque é amargo
e porque é o meu coração.


Outro que apetece cantar:

(Índios Comanches, EUA)

Djá i dju nibá u
i dju nibá i dju nibá u
djá i dju nibá i ná ê nê ná
i djá i naí ni ná
i dju nibá u
i dju nibá i dju nibá u
djá i dju nibá i djá ê nê ná

E por último:

As coisas feitas em ferro

(D. H. Laurence)

As coisas feitas em aço e trabalhadas em ferro
nascem mortas, como sudários, devoram a nossa vida.
E um dia, quando já deitaram velhas raízes na nossa
                                                                        vida,
aplacam-se, e apaziguam-nos; e é então que as atiramos
                                                                             fora.


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