terça-feira, 10 de novembro de 2009

Parábolas e Fragmentos - Franz Kafka

Mais uma vez me apresso por "postar" um pequeno livrinho que dentro de dois dias tem forçosamente que ser entregue à biblioteca onde reside a maior parte do seu tempo de vida.

Um autor de fascínio que, neste livrinho me torna a espantar com tantas ideias em forma de apontamentos e impressões descomprometidas ao nível temático, alguns deles incluindo desenhos de riscos primários e elucidativos (à semelhança do que Gonçalo M. Tavares faz com os senhores do bairro). Todos estes fragmentos revelam a total solidão de Kafka e sua singularidade de pensamento. As "parábolas" merecem um estudo prefaciado por João Barrento mostrando-nos a propósito delas como «...atravessando as palavras há restos de luz...». Um livro especial, que nos deixa lê-lo aos pedaços, possuí-lo de forma fragmentada, sem por isso desviar-se dos sentidos primeiros dos textos. Transcrevo dois deles, que como os restantes fragmentos, são estrutural e tematicamente primorosos:


1.
«Ah», disse o rato, «o mundo cada dia fica mais apertado. A princípio era tão grande que até me metia medo, depois continuei a andar e ao longe já se viam os muros à esquerda e à direita, e agora - e não passou assim tanto tempo desde que eu comecei a andar - estou no quarto que me foi destinado e naquele canto está já a armadilha em que vou cair.» «Tens de inverter o sentido de marcha - disse o gato, e comeu-o».

2. A Aldeia Vizinha

O meu avô costumava dizer: "A vida é espantosamente curta. Agora, ao olhar para trás, ela concentra-se em mim de tal maneira que, por exemplo, não consigo compreender como é que um rapaz novo se decide a ir a cavalo até à aldeia vizinha sem recear - isto, para não falar já de acasos infelizes - que o próprio tempo de uma vida normal e feliz nem de longe chegue para uma tal cavalgada.»
3. O Exame
«Então, em que ficamos?», disse o cavalheiro, olhando-me com um sorriso e ajeitando a gravata. Consegui aguentar o olhar, mas depois voltei-me, de livre vontade, um pouco para o lado e olhei para o tampo da mesa com olhos cada vez mais fixos, como se aí se abrisse e afundasse uma caverna que me atraía o olhar. E fui dizendo: "O senhor que examinar-me, mas ainda não me apresentou provas que lhe confiram esse direito". Desta feita, ele riu alto. "O meu direito é a minha existência, o meu direito é o eu estar aqui sentado, o meu direito é a minha pergunta, o meu direito é o que me advém de o senhor me entender". "Está bem", respondi eu, "partamos então do princípio de que é assim". "Então vou examiná-lo", disse ele; "faça o favor de puxar a poltrona um pouco mais para trás, que me sinto apertado. E peço-lhe também que não olhe para o lado, mas bem nos meus olhos. Talvez seja mais importante para mim vê-lo do que ouvir as suas respostas". Correspondi ao seu pedido, e depois ele começou: "Quem sou eu?". "O meu examinador", respondi. "Claro", disse ele. "E que mais?". "O meu tio", disse eu. "Seu tio!", exclamou ele. "Mas que resposta mais absurda!". "Meu tio", respondi com ênfase. "Nem mais".
4.
«Apenas uma palavra. Uma súplica apenas. Apenas uma aragem. Apenas uma prova de que ainda estás vivo e à espera. Não, nada de súplicas, apenas um respirar, respirar não, apenas estar pronto, estar pronto não, apenas um pensamento, um pensamento não, apenas o sono tranquilo.»


5.
«Desvio-me do caminho.O verdadeiro caminho passa por uma corda que não está esticada a grande altura, mas muito próxima do chão. Parece estar ali para nos fazer tropeçar, e não para que se passe por cima dela.»
6.
«O que eu toco desfaz-se.»

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu, penso que ao contário de voces, optei por uma via de estudo que me levou pelas ciências e engenharias, e deixei de ter contacto com o que se ensina de Literatura (Portuguesa e outras) já há algum tempo.
Não sei sinceramente se Kafka faz parte de algum planos de estudos, no entanto penso que deveria ser obrigatório o seu conhecimento. Kafka (e alguns outros com o Boris Vian) por exemplo) levam-nos para o mundo que gira numa rotação diferente da nossa . É com a leitura destes autores que se pode ter uma visão de como a nossa "realidade" nem sempre é como a tão linear como imaginamos. E basta por a nossa mente a divagar e vemos os resultados nestes livros.

FL

Anabela disse...

Querida Pat

Sempre apreciei as obras de Kafka e desconhecia estas Parabolas e Fragmentos, bem interessantes por sinal...
Discordo em parte do FL... haveria tantos autores a acrescentar aos programas de Portugues (e atençao que eu nao tenho voz fundamentada nestes assuntos pois tambem eu sou de ciencias!)... O que e´´ importante e´´ que o professor va dando pistas de leitura de autores diversos e se poss´´ivel que fale um pouco deles... Seria impossivel numa unicva disciplina falar em todos os autores que consideramos imprescindiveis.
Por outro lado concordo com o nosso FL quando diz que este autor nos mostra que e´´ possivel termos mundos em rotaçao distinta... e se e´´....

muitos beijos
anabela