" Ela desatou o pacote de papéis, muito atado, metido numa pasta de cartão, e recomeçou a lê-lo. Já o conhecia. Tinha-o escrito e lido, mas deixara-o adormecer, esquecer quase. Não era uma escritora, não mirava à publicidade. Estava ali um pequeno coração morto, que já não era o seu. Para ela própria se acanhava de o ressuscitar. Tão inútil é viver, reviver um passado longínquo, de raízes secas... Mas por teima e porque andava desasada com a mudança de terra (voltara à cidade, sentia calor, moleza, estranheza), por teima, pura teima, se pôs a relê-lo.
Dois anos, dois anos apenas, ela assim passou, seguidos mas incompletos. Tão longos, tão cheios e tão vazios! Lembrados como nenhuns outros da sua vida.
Lembradas também, ou dentro deles, as rosas-chá e as flores de beladona, os bons-dias e as boas-noites, a Lúcia-lima, a baunilha e as papoilas da índia… que cresciam sem trato num pequeno jardim traseiro da casa e no seu espírito juvenil, sem recheio quase nem obrigações, as suas mais finas particularidades. Para ela, as flores tinham romances, uma vida íntima além de toda a variedade e graça, patentes essas; eram especiais seres idílicos; as flores e também os pássaros, as estrelas… Um dos seus gostos, quando ninguém a via, consistia em se deitar no chão, de olhos para o céu, como se o estivesse bebendo."
Excerto extraído da Contracapa da obra:
“A alma de uma adolescente posta a nu. As alegrias e os sofrimentos, as perplexidades e os deslumbramentos de uma rapariga que se abre para a vida. O mundo secreto um ser- necessariamente, ainda frágil e hesitante – revelado tal qual. Irene Lisboa, com a objectividade, a frieza e a segurança dos grandes mestres, descreve-nos tudo quanto se passa no interior da sua heroína em páginas de uma simplicidade inigualável. E, em páginas pungentes. Mas… quem é a heroína desta espantosa novela? – verdadeira obra-prima da Literatura -, que nos aparece agredida e ferida pelo mundo, pelas pessoas? Indiscutivelmente, a própria autora. Voltar atrás para quê? Tem um sabor único a confissão terrível, que se levou a limites quase insuportáveis e que nos empolga e comove. Voltar Atrás Para Quê? é um grito – que ressoará, para sempre, dentro de quem o ler.”
"Eis Quina, exemplo de energias humanas que entre si se devoraram e se deram vida. Vaidade e magnífico conteúdo espiritual foram os seus pólos; equilibrando-se entre eles, percorreu um extremo e outro da terra, venceu e foi vencida, sem que, porém, as suas aspirações mais inquietantes deixassem de ser, no seu íntimo, as mesmas formas incompletas, chave da transfiguração que os homens eternamente tentam moldar e se legam de mão em mão, como um segredo e como uma dúvida.
Eis Germa, que, embalando-se na velha rocking-chair, pensa e pressente, sabendo-se actual relicário desse terrível, extenuante legado de aspiração humana. Nas suas veias, estão todos os infinitos estados do passado, no seu cérebro condensaram-se muitas e muitas experiências que não viveu, as negações e afirmações ocupam vastos espaços da sua alma. Ela move-se ritmicamente baloiçando-se naquela sala onde se recolhem em pilhas as maçãs; todo o ar rescende a maçã que suga da própria pele a frescura e dela dessangra o suco que acrescentará a reserva da polpa viva, ainda por todo o Inverno.
Eis Germa, eis a sua vez agora e o tempo de traduzir a voz da sua sibila. Talvez, porém, o seu tempo seja improdutivo e nefasto, e ela fique de facto silenciosa, porque - quem é ela para ser um pouco mais do que Quina e esperar que os tempos novos sejam mais aptos a esclarecer o homem e a trazer-lhe a solução de si próprio? Talvez ela fique de facto imóvel no seu constante, lento ou vertiginoso baloiçar, na casa que fortuitamente habita, e a sua história fique hermeticamente fechada no círculo de aspirações que não conseguiu detalhar e cumprir, porque aconteceu ser cedo ou ser tarde, porque não se compreende ou não se crê o bastante, porque se deseja demasiado e isto é todo o destino, porque... porque...»
(últimos excertos da obra)
De Maria Gabriela LLansol, uma leitura de Um Beijo Dado Mais Tarde (não consegui a capa que queria) ou outro livro qualquer, desde que seja da sua autoria. Transcrevo um texto de "Amigo e Amiga - Curso de Silêncio de 2004" (adquirido de forma desprevenida muito recentemente juntamente com "Uma data em cada mão -Livro de HorasI") para fazer corresponder o excerto à capa que apresento:
" LXX.uma esfinge
Nunca mais desejar que o amor a atormente,atirar com o nome e o pronome cada um para seu lado, jogá-lo para
o meio da matéria das árvores,e declarar que o nome é bebida da terra, como o pronome é jarro devinho sobre a toalha de uma ágape.Era fortíssimo o desejo de repelir os ensinamentos.
Experimenta-os quando puderes, Anabela, na íntegra e sôfrega. Com tempo, experimente-os, FL, e sinta o pulsar feminino na escrita de todas estas escritoras.
2 comentários:
querida amiguinha
so tu para me dares coisas belas e repletas de sentido! so tu para encheres este vazio que a minha alma sente e que o cinzento dos dias transporta!
Adorei tudo e sorvi sofregamente todos os excertos! Fiquei muito curiosa em relaçao a esta ultima autora talvez porque apreciei imenso os escritos que me leste ao telefone (tao belos e repletpos de sentido). Tambem gostei da Agustina e da Irene... Tentarei le-las pois como te disse achei a Sibila dificil mas comecei tao nova a tentar compreender esta MULHER...
Querida amiguinha, agradeço toda a magia que trazes ao meu dia-a-dia!
Muitos beijos
Anabela
A minha magia, encontro-a nos teus olhos, nessa amizade que trazes nos braços longos como um ramalhete de frésias de fazer inveja. Mil bjs, amiga amiga.
Pat
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