domingo, 10 de outubro de 2010

LIVRO DO DESASSOSSEGO - EXCERTOS QUE ABALAM

«A arte livra-nos ilusoriamente da sordidez de sermos. Enquanto sentimos os males de Hamlet, príncipe da Dinamarca, não sentimos os nossos - vis porque são nossos e vis porque são vis.
«O amor, o sono, as drogas e intoxicantes, são formas elementares de arte, ou, antes, de produzir o mesmo efeito que ela. Mas amor, sono e drogas tem cada um a sua desilusão. O amor farta ou desilude. Do sono desperta-se, e, quando se dormiu, não se viveu. As drogas pagam-se com a ruína de aquele mesmo físico que serviram de estimular. mas na arte não há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio. Da arte não há despertar, porque nela não dormimos, embora sonhássemos.Na arte não há tributo ou multa que paguemos por ter gozado dela.
O prazer que ela nos oferece, como em certo modo não é nosso, não temos nós que pagá-lo ou que arrepender-nos dele.
Por arte entende-se tudo o que nos delicia sem que seja nosso - o rasto da passagem, o sorriso dado a outrem, o poente, o poema, o universo objectivo.
Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência.»

Bernardo Soares, Livro do Desassossego, p.256

2 comentários:

Anónimo disse...

cada frase parece ser mais verdadeira que a que a antecede, sem dúvida esplêndido.
Adorei,
bjinho
Caridee

Penélope disse...

Amo esta obra deste POETA MAIOR. Este Bernardo Soares é tão encantador e complexo como os demais heterônimos...
Não resisti e vim para ficar.
Abraços