quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Nocturno de David Mourão-Ferreira

Fotografia de Edgar Martins




NOCTURNO

Eram, na rua, passos de mulher.
Era o meu coração que os soletrava.
Era, na jarra, além do malmequer,
espectral o espinho de uma rosa brava...


Era, no copo, além do gim, o gelo;
além do gelo, a roda de limão...
Era a mão de ninguém no meu cabelo.
Era a noite mais quente deste verão.

Era no gira-discos, o Martírio
de São Sebastião, de Debussy....
Era, na jarra, de repente, um lirio!
Era a certeza de ficar sem ti.


Era o ladrar dos cães na vizinhança.
Era, na sombra, um choro de criança...


Um nocturno assim tão simples mostra-nos que a noite desenha a perda e, em simultâneo, o encontro do poeta consigo próprio. Não era necessário Debussy para este poema ser uma música para os meus sentidos.

Às fotos de Edgar Martins (de quem tanto gosto) escrevo este apontamento:

"Qualquer coisa contra a noite ganha o seu tamanho."

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