Acabei de ler recentemente Nocturno Indiano, traduzido por Gaëtan Martins de Oliveira, com revisão do próprio António Tabucchi e confesso que gostei de muitos pormenores deste romance. A epígrafe que abre a obra, da autoria de Maurice Blanchot, merece ser relida:
" Les gens qui dormente mal apparaissent toujours plus ou moins coupables: que font-ils? Ils rendent la nuit présente."
(As pessoas que dormem mal parecem sempre mais ou menos culpadas. O que fazem elas? Tornam a noite presente.)
Talvez seja esta a grande culpa de Roux, a personagem principal deste romance, um homem que vai à Índia sob o pretexto de saber de um antigo amigo desaparecido, Xavier Janata Pinto, vivendo a noite indiana de forma intensa, num trajecto espiritual de procura de si mesmo. O texto está escrito em primeira pessoa, numa espécie de registo diarístico das pequenas histórias que vão surgindo, protagonizadas por este viajante em constante deslocação e pelas personagens caricatas com que se vai cruzando.
Numa nota introdutória António Tabucchi deixa claro que “este livro, mais do que uma insónia, é também uma viagem”, também realizada pelo próprio autor, pelo que lhe pareceu bem fornecer um índice dos lugares por que passou, cedendo ao leitor um registo topográfico que vai construindo o romance, desde a morada dos hotéis, aos apeadeiros rodoviários ou até mesmo às praias. Uma página que poderá ser bastante útil para quem pretenda reconhecer na Índia esta leitura de Tabbuchi.
Entre a miséria explícita logo nas primeiras páginas e o luxo exclusivo de poucos, Roux tenta encontrar-se neste mistério inequívoco, em muito possibilitado pela magia dos vários personagens com quem vai dialogando - Vanila Sar, uma prostituta do Hotel Khajuraho, um médico com o nome de um deus com rosto de elefante, um devoto jainista às portas da morte, Margareth, o Director de Theosophical Society, um monstro Arant com seu irmão, o próprio fantasma do vice-rei da Índia, um ex-carteiro de Filadélfia,Tommy e finalmente Christine, uma fotógrafa simpática. De Bombaim a Goa este viajante vai atrás, afinal, de si mesmo, encontrando-se nas palavras dele e nas dos outros, desconhecidos. Algumas também acabam por fazer o leitor encontrar-se a si própria nesta leitura.
«O corpo humano poderia perfeitamente não passar de uma aparência. Esconde a nossa realidade, pesa sobre a nossa luz ou a nossa sombra.»
«Referia-me aos corpos (...) talvez sejam uma espécie de malas, transportando-nos a nós próprios.»
Sem comentários:
Enviar um comentário