sexta-feira, 12 de novembro de 2010

EXCERTOS QUE FICAM

101
(...)
Para um homem excitado a cidade deveria ser sempre
a descer, queixou-se Bloom.

102
Imagine uma geometria que, além de ter os lados perfeitos,
ainda libertasse calor - eis Maria E (disse Thom C).
Maravilhado, assim, com tal descrição do corpo feminino
- uma geometria com temperatura - , Bloom,
enquanto caminhava, lembrou-se da velha sabedoria
de Platão que, à entrada da sua academia, havia escrito:
«Não entre aqui quem não souber geometria.»
A filosofia, finalmete,
entusiasma certos órgãos que não o cérebro
- ironiza Bloom; e não pôde então deixar de pensar
como tal frase clássica ficaria perfeita
pendurada na entrada de um bordel

103
Entraram por fim na rua certa e em passo rápido
os dois homens chegaram à porta
de um prédio antigo. É este, disse Thom C,
e com o dedo indicador malicioso procurou
nas campainhas o ansiado 3º D.
E como se fosse uma deusa treinando a voz
para um oráculo, ouviu-se, vinda de um mecanismo
que seria divino se não tivesse por trás dezenas de fios e
ligações electricas, uma voz duplamente feminina
(como duas mulheres falando ao mesmo tempo):
Subam! Subam! - disse a duas-vezes- feminina voz.
É ela - disse Thom C. Percebi que sim - disse Bloom.

Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia

Linda amiga, o importante na escrita de M. Tavares é o meio ("estilistico-linguístico-imagético") pelo qual ele chega às coisas...não há igual no mundo (não digo na nossa língua!). O importante não é a história que nos conta (que apesar de tudo consegue ser invulgar, mesmo quando lembra outras histórias que já lemos). Há um posicionamento iconoclasta em qualquer palavra, expressão ou frase que ele escreve que parece estilhaçar toda a literatura  emergente. Que tal a "geometria com temperatura"?

Sem comentários: