quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Tour Eiffel, Paris
Hoje para me ligar telepaticamente a ti, linda amiga, li o mesmo livro que tu lês, aí, em Paris onde te encontras tão apaixonada por tudo. Passei por ti logo na primeira linha mas não me viste. Ainda te acenei, chamei-te em francês mas não entendeste que era o teu nome, pareceu-te certamente outro e outra voz a minha, cheia de rrrrrs e assobios que também a mim me transformaram. Mesmo assim, gostei de te ver ao longe a atravessar para a linha de baixo como se fosses partir, resoluta, para sempre, à procura dos astros que encontraste na Sorbonne. Eu grite em vão: Je t'attends, mon amie!! Mas já tinhas atravessado a ponte que liga o texto à grande Paris...E já agora, peço-te: traz-me palavras, muitas, na ponta da tua língua para eu as ver, assim que chegues, de muito perto e repetir, ainda vivas e arrogantes, o que aprendeste sobre o universo. Saudades! Olha vê, agora, onde há pouco te encontrei:

«À medida que ia evocando a capital, ela ia-se reconstruindo em mim e eu substituía a sua presença física por algo quase sobrenatural a que não sei que nome atribuir. Um mapa de Paris, afixado na parede, retinha-me demoradamente o olhar e ia-me ensinando quase sem que eu desse por isso. Descobri que Paris tinha a forma de um cérebro humano. Voltou-me à memória uma cabeça de homem aberta em dois que eu observava, criança, na montra de um oculista e que mostrava aos curiosos o interior do nosso crânio. Com um misto de interesse e de horror, eu examinava aquela massa branca, rosada e vermelha que me provocava pesadelos na noite seguinte. Em vão dizia para mim próprio que aquilo não passava de um objecto de cartão ou de porcelana; continuava apesar disso a ser revoltante. (...)
Seja como for o mapa de Paris ajudou-me mais do que uma vez a passar algumas horas difíceis e, ao ter-lhe descoberto a semelhança a que já me referi com o cérebro humano, esforcei-me por colocar dentro dos limites desta cidade todas as circunvoluções observadas em tempos. Comprazia-me assim a imaginar que tinha nascido na zona da imaginação e que tinha crescido no meio da memória; hesitava quanto à localização da vontade, da reflexão e do paladar, fazendo-os incessantemente mudar de bairro. (...)»

Julien Green, Paris

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