sábado, 20 de novembro de 2010

MATTEO PERDEU O EMPREGO - GONÇALO M. TAVARES


O novo livro de Gonçalo M. Tavares, com um grafismo que se desvia do das anteriores publicações (também contém fotografias a abrirem cada um dos capítulos), é uma sucessão de pequenas narrativas sobre personagens excêntricas que se cruzam e se vão abandonando até chegar a Matteo, o personagem que dá nome a este novo título  ( cada um dos personagens através da sua mania, do seu carácter,  rasteira a estereotipada imagem da normalidade social, sendo surpreendente o modo como desestabiliza a lógica por que nos pautamos nas situações problemáticas como nas mais insignificantes). Cruzam-se duas componentes, a ficcional e a ensaística numa leitura que não consegue parar de nos surpreender, reinterpretando a tabela periódica dos elementos químicos, dando de frente com nome de personagens que coincidem com nomes de cidades/asteróides e outras coisas mais...para preencherem de um incontável prazer um fim-de-semana como este Um dos excertos que fica, é este, sobre o maníaco Baumann:




BAUMANN E O LIXO



«Poderemos falar de comportamentos maníacos precisos, embora não enquadráveis em nenhuma doença que os médicos dominem o suficiente para a domesticar com a suavidade aparente de um nome.
O Sr. Baumann aproximava-se de um caixote de lixo público. Os seus pés nada denunciavam, mas havia já nele, antes de tocar no lixo, um cheiro nauseabundo que afastava amigos e até inimigos.
Baumann lavava o lixo. Pegava em cada uma das peças dos restos e dos vestígios que um caixote de lixo público vai guardando e limpava-os com toda a dedicação, como se estivesse a recuperar velharias que, depois de polidas e bem tratadas, valeriam ouro. A questão aqui é que as velharias eram restos : latas de refrigerantes torcidas, cascas de frutos, copos partidos, pedaços de vidros de que já era impossível conhecer a origem – que belos lábios poderiam ter tocado em tempos estes cacos quando ainda não eram cacos? – utensílios de cozinha, por vezes objectos utilizados por amantes em período de excitação, etc.

Há quem diga que Baumann tinha sido historiador. E que aquela actividade maníaca, agora que passava dos setenta anos, era no fundo um vestígio perturbado dessa actividade de recuperação do passado, dessa actividade de dar atenção ao que os outros já deixaram para trás. Mas esta informação – sobre a anterior actividade - profissional de Baumann nunca foi confirmada. (…)»

Gonçalo M. Tavares, Matteo perdeu o Emprego, Porto Editora




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