terça-feira, 29 de setembro de 2009

Um Longo Domingo de Noivado - Sébastien Japrisot

Um Longo Domingo de Noivado é um lindo livro sobre a força do amor e da guerra. Como está inscrito na contracapa "Japrisot tem um dom raro: não sabe escrever um mau livro..." e esta espécie de romance policial faz desfilar perante os nossos olhos personagens muito completas, uma espécie de "pessoas-universos" que guardam dentro de si todas as histórias necessárias para a nossa compreensão absoluta do ser humano que somos. Adorei as histórias bárbaras ligadas à guerra e a forma exaustivamente encantadora como Mathilde (ou Mathi) ama Manech. Um livro que mostra que o amor e a sua memória vence qualquer guerra (não só a 1ª Guerra Mundial).

Um excerto sobre a tragédia de Manech, o noivo de Matti que faz temer qualquer pessoa: a perda das nossas memórias, o esvaziamento de nós próprios na dissolução das palavras e de todas as imagens que as criaram (a literatura trata demasiadas vezes este tema fascinante):

" Volto de Milly-la-Forêt. Vi o seu noivo, Manech, que agora é Jean Desrochelles, e essa mulher desfeita pelo medo que tem de si e se diz mãe dele, Juliette. A amnésia de Jean Desrochelles até aquela manhã de neve em que um camarada , que me reconcilia com os meus semelhantes, o transportou às costas, é total, absoluta.Houve mesmo que tornar a ensiná-lo a falar. Os psiquiatras que o acompanharam, desde 1917, dão poucas esperanças, mas eles estão bem colocados para saber que há tantas amnésias como amnésicos, por isso quem ousaria pronunciar-se? (...)"

Quanto ao filme, vi-o recentemente e achei-o pleno de beleza. Mathilde é Audrey Tatou de quem tanto gosto (parecida com a minha linda amiga Anabela, com uns olhos fabulosos cuja cor e expressões dizem tudo!). Os espaços que privilegia são lindíssimos, cheios de uma cor amareladamente nostálgica, de ambientes desmedidos de emoção - tanto os interiores penetrados por Mathilde como os exteriores ligados ao horror e à guerra. O realizador de "Amélie", Jean-Pierre Jeunet, também neste filme fixa palavras e diálogos que impressionam pela sua verdade, arremessa-nos instantes e recantos (que para muitos realizadores nunca se destacam para dar ênfase à história maior), onde a beleza dos sentimentos nobres e repulsivos é comovedora. Concordo com a crítica de Joe Morgenstern no Wall Street Journal que cito: "Avassaladoramente belo,espantosamente audacioso e por vezes muito divertido... vai mudar a forma como sentimos o amor e a guerra."
Transcrevo a sinopse da contracapa do DVD deste belo filme:

"Em 1919, Mathilde tinha apenas 19 anos. Dois anos antes, o seu noivo Manech partira para a frente de batalha na Somme. Como milhões de outros jovens antes dele, Manech foi "morto no campo de batalha". Ou pelo menos isso é o que diz o boletim oficial. Mas Mathilde recusa-se a acreditar. Se ele tivesse sido morto, ela saberia. Mathilde agarra-se à sua intuição e esperança com toda a paixão que a liga ao seu amor desaparecido, mesmo quando um sargento regressado da frente tenta em vão convencê-la que Manech morreu numa trincheira na terra-de-ninguém, na companhia de quatro outros soldados condenados à morte por ferimentos auto-infligidos. O seu percurso está repleto de obstáculos mas Mathilde não vacila - pois nada é impossível para uma mulher que está decidida a desafiar o próprio destino..."

5 comentários:

Anónimo disse...

Como vosso seguidor atento, vou-me apercebendo que os nossos gostos literários e cinematográficos se tocam nalguns pontos. Espero que na música aconteça o mesmo, mas tenho impressão que não :).
Ao ler o teu post deste filme não posso de deixar de fazer um comentário. Salvo as diferenças óbvias de guião, penso que todos os filmes que abordam o tema referido tentam de alguam forma imitar "O Amante de Lady Chatterley".
Goataria de saber se a vossa opinião é a mesma...

...o vosso seguidor...

Anabela disse...

Querido anónimo e fiel leitor (deixe-me tratá-lo assim)

Discordo completamente da colagem feita a "O amante de Lady Chatterley" de D.H. Lawrence. Embora ainda não tenha visto o filme, sei que em nada tenta imitar o dito romance. Contudo, e uma vez que viu a película, talvez tenha encontrado nela algumas reminiscências do dito livro mas não me parece de modo algum que isso assim seja. Peço-lhe desculpa se não interpretei correctamente o seu comentário! O que achas doce Pat?
Um abraço e continue a provocar-nos
Anabela

Anabela disse...

Querida Pat
De facto este filme pertence à categoria dos E.V. (expectante por ver)! Quando apareceu nos cinemas não pude vê-lo mas estou certa de tratar-se de um excelente filme!
Gostei dos teus comentários e dos que recolheste junto da imprensa. Desconhecia tratar-se de um filme com base numa obra tão reconhecida. Das imagens que vi, lembrei-me de facto da nostalgia da fotografia em tons sépia.
Tudo farei para o ver brevemente!
Obrigada doce amiguinha pela excelente sugestão e por avivares a minha memória...
Muitos beijos

Anónimo disse...

Minhas amigas

Antes de mais, também gosto mais do fiel leitor (FL):)

Voltando ao assunto que ficou em aberto, como podem ver no meu comentário eu realço as diferenças de guião e apenas o abordo tendo em atenção o que me pareceu ser o filme pela tua descrição. Agora, como é óbvio tenho que ver o filme o quanto antes para aí poder ter uma opinião mais fundamentada.
O que quis dizer foi que quando há um filme (ou livro) que nos marca, temos tendência (inconsciente) a exigir muito mais de tudo o que aparece a seguir, e lá temos sempre que fazer as nossa comparações (mesmos que ás vezes injustas)
Espero ter-me esclarecido melhor 

FL

Leitoras SOS disse...

Apesar da grande obra que é "O Amante de Lady Chatterley", fruto da ousadia com que tratou a atitude sexual da personagem protagonista feminina e da exaltação do amor-paixão, o que abriu caminho para muitos autores se despreconceituarem neste domínio na literatura, este romance de Japrisot não é, de maneira nenhuma, uma cópia ou sequer uma imitação dele. O cenário da guerra serve distintamente as duas obras. Enquanto que na primeira vai servir para desvirtuar o amor pois o aristocrata com que Lady C. casou regressa da guerra impotente e mutilado, provocando assim o afastamento definitivo da sua mulher, que procurará o amor e o prazer noutros homens, em "Um Longo Domingo de Noivado" a guerra serve para perpetuar o amor entre Matti e Manech.Aliás o amor é a maior arma que ambos possuem para sobreviver à guerra.O soldado não regressa mutilado fisicamente, não necessita de cadeira de rodas como o marido de Lady C., no entanto regressa sem memória, completamente amnésico, facto que adensa o amor que Matti sente por ele, e talvez (uma vez que é uma obra com um desfecho aberto)um dia redescubra esse amor nos olhar da sua amada...pelo menos é do que o leitor fica à espera. Porem, é verdade que essa obra de D. H. Lawrence é uma referência incontornável para todas as obras posteriores.