domingo, 6 de setembro de 2009

Pablo Neruda - Ode ao dia feliz

Man Ray, Na hora do Observatório - Os Amantes, 1932-34

Ode ao dia feliz

Desta vez deixai-me

ser feliz,

não aconteceu nada a ninguém,

não estou em nenhum sítio,

acontece somente

que sou feliz,

de coração pleno, quer

andando, dormindo ou escrevendo.

Que hei-de eu fazer, sou

feliz,

sou mais vasto

do que a erva

nas planícies,

sinto a pele como uma árvore rugosa,

a água em baixo,

os pássaros em cima,

o mar como um anel

à roda da minha cintura,

a terra feita de pão e de pedra

e o ar cantando como uma guitarra.

Ao meu lado na areia

tu és areia,

cantas e és canto,

o mundo

é hoje a minha alma,

canto e areia,

o mundo

é hoje a tua boca,

deixa-me ser feliz

na tua boca e na areia,

ser feliz porque se eu respiro

é a ti que o devo,

ser feliz porque acaricio

os teus joelhos

e é como se acariciasse

a pele azul do céu

e a sua frescura.

Hoje deixai-me

ser feliz

sozinho,

com todos e ninguém,

ser feliz

com a erva

e a areia,

ser feliz

com o ar e a terra,

ser feliz,

contigo, com a tua boca,

ser feliz.

Trad. Luís pignatelli (in "Odes Elementares", Publicações Dom Quixote)

Deixa-me acrescentar uma revelação do surrealista americano Man Ray (a quem costumo recorrer na unidade relativa aos textos autobiográficos, exibindo o seu auto-retrato para análise conjunta...um delírio!) sobre a pintura que abre o post:

" Quando está acabado, o quadro terá, durante algum tempo, lugar em cima da minha cama, como uma janela aberta sobre o universo. Os lábios vermelhos tombavam num céu azul-acinzentado numa paisagem crepuscular que compreendia um observatório e as suas duas cúpulas, que se destacavam como seios no horizonte. Pelo seu tamanho, os lábios evocavam, incontestavelmente, dois corpos estreitamente enlaçados.»

2 comentários:

Anabela disse...

querida amiga:
acabo de esboçar um enorme sorriso de felicidade!
Não é apenas a beleza do poema que é contagiante! Teres-lhe agregado esta pintura é magnífico! Gostei de ver aquele sorriso tão longo, tão abrasador e abarcador... abarca um universo de felicidade! Ver nesse quadro a possibilidade de os lábios serem duas almas ligadas até ao infinito é deslumbrante! Nunca pensaria nesse pormenor... Mas a verdade é que faz sentido e faz-me pensar que vagueamos por contextos similares (sem falarmos fisicamente uma com a outra!). Na verdade acabei de colocar um post sobre o filme : o último tango em Paris, e dou-me conta de que o amor daqueles dois seres só podia estender-se daquela forma como o que vejo no quadro de MAn Ray.
Mais uma vez,uma escolha perfeita e repleta de sensibilidade. Vou responder à tua resposta ao post do quadro de picasso! Escrevi-te ontem à noite para o teu mail...
Muitos beijos e muita felicidade!
Anabela

Anabela disse...

querida amiga
espero que desculpes, mas parece-me que este poema ficaria bem melhor se diminuísses o espaçamento entre versos pois perde-se a visão do todo.
Continuo a lê-lo e a esboçar um sorriso de felicidade contagiante!
Muitos beijos
anabela