Ode ao dia feliz
Desta vez deixai-me
ser feliz,
não aconteceu nada a ninguém,
não estou em nenhum sítio,
acontece somente
que sou feliz,
de coração pleno, quer
andando, dormindo ou escrevendo.
Que hei-de eu fazer, sou
feliz,
sou mais vasto
do que a erva
nas planícies,
sinto a pele como uma árvore rugosa,
a água em baixo,
os pássaros em cima,
o mar como um anel
à roda da minha cintura,
a terra feita de pão e de pedra
e o ar cantando como uma guitarra.
Ao meu lado na areia
tu és areia,
cantas e és canto,
o mundo
é hoje a minha alma,
canto e areia,
o mundo
é hoje a tua boca,
deixa-me ser feliz
na tua boca e na areia,
ser feliz porque se eu respiro
é a ti que o devo,
ser feliz porque acaricio
os teus joelhos
e é como se acariciasse
a pele azul do céu
e a sua frescura.
Hoje deixai-me
ser feliz
sozinho,
com todos e ninguém,
ser feliz
com a erva
e a areia,
ser feliz
com o ar e a terra,
ser feliz,
contigo, com a tua boca,
ser feliz.
Trad. Luís pignatelli (in "Odes Elementares", Publicações Dom Quixote)
Deixa-me acrescentar uma revelação do surrealista americano Man Ray (a quem costumo recorrer na unidade relativa aos textos autobiográficos, exibindo o seu auto-retrato para análise conjunta...um delírio!) sobre a pintura que abre o post:
" Quando está acabado, o quadro terá, durante algum tempo, lugar em cima da minha cama, como uma janela aberta sobre o universo. Os lábios vermelhos tombavam num céu azul-acinzentado numa paisagem crepuscular que compreendia um observatório e as suas duas cúpulas, que se destacavam como seios no horizonte. Pelo seu tamanho, os lábios evocavam, incontestavelmente, dois corpos estreitamente enlaçados.»
2 comentários:
querida amiga:
acabo de esboçar um enorme sorriso de felicidade!
Não é apenas a beleza do poema que é contagiante! Teres-lhe agregado esta pintura é magnífico! Gostei de ver aquele sorriso tão longo, tão abrasador e abarcador... abarca um universo de felicidade! Ver nesse quadro a possibilidade de os lábios serem duas almas ligadas até ao infinito é deslumbrante! Nunca pensaria nesse pormenor... Mas a verdade é que faz sentido e faz-me pensar que vagueamos por contextos similares (sem falarmos fisicamente uma com a outra!). Na verdade acabei de colocar um post sobre o filme : o último tango em Paris, e dou-me conta de que o amor daqueles dois seres só podia estender-se daquela forma como o que vejo no quadro de MAn Ray.
Mais uma vez,uma escolha perfeita e repleta de sensibilidade. Vou responder à tua resposta ao post do quadro de picasso! Escrevi-te ontem à noite para o teu mail...
Muitos beijos e muita felicidade!
Anabela
querida amiga
espero que desculpes, mas parece-me que este poema ficaria bem melhor se diminuísses o espaçamento entre versos pois perde-se a visão do todo.
Continuo a lê-lo e a esboçar um sorriso de felicidade contagiante!
Muitos beijos
anabela
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