domingo, 11 de outubro de 2009

ADEUS PORTUGUÊS - A NORA MITRANI

Querida Anabela, há uma história por detrás deste poema que fascina os alunos... Este poema de O'Neill dirige-se a Nora Mitrani, uma francesa ligada ao movimento surrealista de André Breton, lindíssima, nova e encantandora. o poeta conheceu-a em Lisboa e apaixonou-se de imediato. Diz-se que este "coup de foudre" foi recíproco... dando lugar a uma paixão e amor intensos.
Entretanto Nora parte para França, a muito custo, ficando a promessa de um encontro breve na cidade da luz. Porém a P.I.D.E. impede o poeta de viajar, ao confiscar-lhe o passaporte. Completamente destruido, sentiu que tinha apenas uma saída: a criação poética. A escrita a partir daquela enorme dor. Assim, " Um Adeus Português" é um grito de amor e de revolta contra um país repugnante.
Logo que pôde, foi ao seu encontro, a Paris, tentando vê-la no seu apartamento. A porta foi aberta por uma senhora vestida de negro que lhe dirige palavras devastadoras. Quando este pergunta por ela, obtém como resposta: "Mademoiselle Nora est morte."
Nora suicidou-se em 1961 fazendo, assim, O'Neill perder a sua mais absoluta concretização de amor. "Seis Poemas Confinados à memória de Nora Mitrani" são escritos com a mão pesada de dor, um ano após a sua morte:
" Para ti o tempo já não urge, / Amiga. / Agora és morta. / (suicida?) " (...)
" (...) Com ou sem sorte, / não será tempo de viver, / de amar, de resistir à morte?"
"Ouve o amor-o-eterno e o que ele diz / a quem se dá. / Não esperes pelo tempo : sê feliz / que a felicidade é já!" (...)
" Passem então, os anos a deitar-nos / línguas de fora... / Se morrermos será de nos amarmos / em cada hora!" (1)

(1) " Seis poemas confinados à memória de Nora Mitrani ", in Tomái lá do O'Neill- uma antologia, Pref. António Tabucchi, Círculo de Leitores, Dezembro de 1986


Adeus Português

Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada


Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor


Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver


Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual


Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal


Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser


Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
e puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal


Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti

1 comentário:

Anabela disse...

amiguinha

que bela mas tragica estoria de amor...desconhecia -a.

O poema indiciava ja um amor perdido, mas nao imaginaria nunca que o fosse desta forma. A vida esta repleta de grandes amores frustrados.

Muitos beijos, grande amiga