Fotografia de Acanieszka Borkowska
"E caiu a chuva sobre a terra
quarenta dias e quarenta noites"
Génesis — c. VII, v. 12
quarenta dias e quarenta noites"
Génesis — c. VII, v. 12
Bate no vidro da janela com tanta força a chuva. parece que as árvores lívidas lançam folhas neste espaço na conquista de um cantinho por onde se esquivem. onde repousem como um livro inundado mas cheio de histórias ainda. pressentindo o tapete bordado de melros e pavões azuis. o chão de madeira que range ao peso dos meus pés quase em segredo. como se os amasse. ao ruído da chuva que cai quarenta dias e quarenta noites. cada vez mais forte. obliquamente à madeira. ainda aguda ao fustigar a transparência embaciada. envidraçada. entretanto a madeira macerada. torna-se ausente na adoração de um corpo estendido. imenso. branco. que segura um livro com palavras de negro ditas ao som da chuva. ininterruptamente. Bate no vidro da janela com tanta força a chuva.
6 comentários:
Linda Amiguinha:
Que belíssimo post!
-Uma foto magnífica, em tons de Outono: a chuva como matriz (ou serão lágrimas?) e uma folha (ou será uma pobre alma?) que tenta agarrar-se à vida. A própria foto
é já um poema...
-Um poema igualmente magnífico, também em tons outonais: a chuva como matriz de novo, a sedução da "leitura de palavras" ao sabor das ditas lágrimas... Apreciei muito a forma como foi construído este texto: a chuva quer entrar à viva força em casa (e com ela as folhas envelhecidas) , e bate, bate constantemente à porta. Dentro de casa apenas palavras, muitas palavras e amor, sente-se amor... as palvras são proferidas por um ser que as transpira para a atmosfera de um lar, receptivo e receptáculo de letras... Que lindo poema, amiga, e adorei o título: "surto de escrita". Revi mentalmente o cenário, da madeira que range sob uns pés imaculados (teus!), uma deusa que passa.
(Apenas uma dúvida, porquê um tapete de pavões? o pavão representa algum elemento literário que eu desconheço?)
Obrigada querida amiga por tantos presentes: este deixou-me particularmente encantada e não páro de o reler... é que é muito belo...e vejo-te nele...
Muitos beijos
Anabela
PS: Vi o comentário da nossa querida Dina! Temos que lhe fazer uma surpresa...
PS2: agora vou comentar os restantes posts (tantos presentes, meu deus!)
Ana Bela Ana,
Como é bom ter como leitora das minhas poucas palavras, uma amiga como tu! Sinto-me amada com o teu comentário. Espero que com o que me dizes o surto se alastre até ao fim dos meus dias (de chuva e de sol).
Para mim o pavão é, sem a pesquisa rigorosa que a tua questão merece, um símbolo de beleza material e espiritual. O pavão deslumbra com as suas cores e com os desenhos "artísticos" exuberantes .É incrível como sem se preparar com um batom, rimel q.b. ou brilhos de sombras, ele é, naturalmente, esplendoroso. Qualquer cenário que calque, me parece impróprio para tanta beleza. Para mim, é o símbolo da altivez da alma. É grandioso no andar lento e cerimonioso e no abrir dos seus corpetes traseiros luminosos...Falta-lhe apenas o doce cantar do melro. Mil bjs, minha linda amiga.
Agora que a mensagem está completa, já posso editá-la.
I just wanted somebody to caress, this damsel in distress
I just wanted somebody to undress, this damsel in distress
Ao ler este post, a música (há sempre uma música para tudo) que me veio logo à imaginação foi o Kigdom of Rain dos The The...deixo-vos os últimos versos...espero que gostem..
I just wanted somebody to bless, this damsel in distress
I just wanted somebody to possess, this young girl
Our bed is empty, the fire is out
And all the love weve got to give has all spurted out
Theres no more blood and no more pain
In our kingdom of rain
FL
desculpem, mas os dois primeiros paragrafos estão a mais....
FL
Só agora vi o último comentário à chuva. Obrigada ao FL pela sugestão musical dos The The. Esta banda recorda-me a adolescência em que com imensa felicidade ouviamos "This is the day"... Um hit lindíssimo para dançar até ao som da chuva!
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